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Procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, durante entrevista no estúdio do jornal Gazeta do Povo
Procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, durante entrevista no estúdio do jornal Gazeta do Povo| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Quem apostava no fim da Lava Jato, ou pelo menos no fim da atuação do procurador Deltan Dallagnol à frente da força-tarefa de Curitiba, sofreu uma decepção nesta segunda-feira. Dallagnol recusou uma promoção à qual ele tinha direito, e com isso ajudou a derrubar, de uma só vez, duas narrativas falsas sobre a operação que continua desvendando os meandros do maior esquema de corrupção da história do país.

Dallagnol, por sua antiguidade na carreira, estava em uma espécie de “linha automática” de promoção para o cargo de procurador regional da República, em que passaria a atuar na segunda instância – há dez destes postos vagos, nove em Brasília e um em Porto Alegre. No entanto, a promoção também implicaria a saída de Dallagnol da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, que atua na primeira instância. O interessante é que, pelas regras do MPF, o procurador que está para ser promovido não precisa manifestar seu desejo de assumir o novo cargo, pois isso já está presumido – ele precisa é declarar que não deseja o posto, caso queira permanecer onde está; foi isso que Dallagnol fez.

A Lava Jato precisa continuar trabalhando até termos a verdade completa sobre o tamanho e a atuação da organização criminosa que sugou os cofres públicos e as empresas estatais

E quais as razões de sua escolha? Seria, por acaso, uma decisão de alguém que se enxerga como essencial, ou insubstituível, acostumado aos holofotes, já que, na qualidade de coordenador da força-tarefa, Dallagnol é a face mais conhecida do grupo de procuradores curitibanos? Afinal, não falta quem afirme que há muito “personalismo” dentro da Lava Jato – algo que foi dito até mesmo pelo novo procurador-geral da República, Augusto Aras. Mas não nos parece que seja este o caso, até porque a força-tarefa já sofreu alterações em sua composição ao longo destes cinco anos, e continuou trabalhando com diligência. Além do mais, o cargo de coordenador também traz consigo o seu ônus, especialmente o de ser o para-raios da indignação e dos ataques daqueles que gostariam de ver a Lava Jato fracassar.

Ao seguir na força-tarefa, Dallagnol mostra que a Lava Jato ainda tem muito trabalho a fazer. A então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, prorrogou a força-tarefa por saber disso, e o fez mesmo tendo divergências com o grupo de Curitiba, especialmente por ocasião do fundo que administraria bilhões de reais repatriados graças a um acordo com o governo dos Estados Unidos. É bem verdade que, passado o enorme impacto inicial das revelações sobre o petrolão, e à medida que as denúncias vão sendo oferecidas e os réus vão sendo julgados, a Lava Jato parece entrar em uma fase na qual parece não haver muito mais a ser feito. Mera ilusão, pois as investigações continuam encontrando novos tentáculos do esquema montado entre governos, partidos e empreiteiras. Não se trata, portanto, de “eternizar” a Lava Jato, mas de entender que ela precisa continuar trabalhando até termos a verdade completa sobre o tamanho e a atuação da organização criminosa que sugou os cofres públicos e as empresas estatais. Quando o Brasil finalmente souber tudo o que ocorreu ao longo destes anos, e os responsáveis forem devidamente punidos, a Lava Jato poderá, enfim, dar seu trabalho por encerrado. Antes disso, encerrar a operação seria deixar serviço incompleto.

Mas a narrativa sobre o “iminente fim da Lava Jato” é a menos daninha perto daquela que foi montada para o caso de Dallagnol aceitar a promoção: a de que o Ministério Público Federal havia desenhado uma “saída honrosa” para o procurador, depois do circo armado pelo site The Intercept Brasil e publicações parceiras, com a divulgação de supostas mensagens atribuídas a membros da força-tarefa e ao então juiz federal Sergio Moro. Primeiro, porque a promoção, como explicamos, seria um direito automático, dados os critérios de antiguidade na carreira. Segundo, porque a própria ideia de “saída honrosa” indica que Dallagnol precisaria ser punido, mas de uma forma que não o humilhasse totalmente.

É aqui que mora a falsidade dessa narrativa. Afinal, apesar de todo o estardalhaço feito na divulgação das supostas conversas, caso elas sejam autênticas, o que se descobriu? Pode ter havido equívocos pontuais, em questões abertas a interpretação, mas nunca a violação sistemática de princípios do Estado Democrático de Direito, como se os fins justificassem os meios. Não se encontram ali transgressões, “excessos” ou “abusos” que justifiquem uma punição ou a remoção de Dallagnol, ainda que essa remoção se dê por meio de uma promoção, no popularmente chamado “cair para cima”.

Em outras circunstâncias, a promoção de Dallagnol seria algo natural, um reconhecimento pelo serviço prestado ao país na Lava Jato, mas os detratores do procurador a transformaram em uma confissão de culpa. Ao recusar a mudança, o coordenador da força-tarefa desarmou, pelo menos temporariamente, a bomba narrativa que tinha sido montada contra ele. Isso não significa, no entanto, que sua posição está totalmente segura, pois a perseguição que ele sofre nas mãos de membros do Conselho Nacional do Ministério Público, apoiados por políticos e até mesmo membros do Supremo Tribunal Federal, não arrefecerá tão cedo. Mas, ao não entregar voluntariamente sua cabeça aos muitos que desejam ver o procurador longe da Lava Jato, Dallagnol força os adversários da operação a vir a público assumir suas intenções, deixando claro ao país de que lado eles estão.

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