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O ministro da Economia, Paulo Guedes.
O ministro da Economia, Paulo Guedes.| Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A concessão do auxílio emergencial de R$ 600 se tornou uma oportunidade para a retomada do debate sobre programas de transferência de renda no Brasil. A discussão, iniciada por quem clama pela perpetuação do auxílio na forma de uma renda universal básica, ganhou a participação de economistas sérios, preocupados tanto com a distribuição de renda quanto com a sustentabilidade fiscal do país, e foi engrossada pela decisão do ministro da Economia, Paulo Guedes, de apresentar um projeto do governo.

Ainda não temos detalhes do programa chamado de Renda Brasil, mas em linhas gerais ele viria para substituir o Bolsa Família (BF), que agregaria outros gastos sociais. Entre as possibilidades, está a união do BF ao salário-família e ao abono salarial. Também pode haver algum ajuste tributário que permita ampliar o gasto unificado nesse novo programa.

A ideia de Guedes não é, portanto, criar uma renda básica universal ou tão ampla quanto o auxílio emergencial. Há duas boas razões para isso. A primeira é fiscal. Uma simulação feita pelo economista Marcos Mendes mostra que uma renda universal de R$ 400 por pessoa teria um custo impagável de R$ 1 trilhão por ano, enquanto a manutenção do auxílio emergencial para R$ 50 milhões de brasileiros custaria R$ 400 bilhões. Para se ter uma base de comparação, o Bolsa Família consome R$ 33 bilhões por ano.

A segunda razão é de eficiência do gasto diante das restrições fiscais. Entre aumentar impostos (que hoje recaem em maior medida sobre os mais pobres), fazer explodir o endividamento público (que eleva juros e pressiona a inflação, outro imposto que recai com mais força sobre os mais pobres), e aumentar a eficiência do gasto, parece prudente que qualquer programa comece por essa última alternativa.

Existem já boas propostas para uma melhora considerável no gasto público direcionado para programas de assistência. Uma das sugestões do Banco Mundial em seu amplo estudo sobre a economia brasileira apresentado em 2017 era justamente mudar o foco de alguns desses programas. Segundo esse trabalho, o Bolsa Família é bem direcionado, com 57% de seus recurso indo para os 20% mais pobres. O abono salarial tem performance muito pior, com apenas 10% indo para os mais pobres (já que é um benefício para trabalhadores da economia formal), enquanto o salário-família tem um foco intermediário, com 32% do gasto direcionado aos mais pobres.

Juntos, esses três programas já teriam pouco mais de R$ 50 bilhões ao ano para uma ação de renda básica. Seria possível, ainda, agregar recursos do benefício de prestação continuada (BPC), que tem gasto anual de R$ 56 bilhões - alteração que seria politicamente complexa como mostrou uma tentativa frustrada durante a reforma da Previdência.

Em outra frente, há mudanças tributárias que poderiam gerar receitas extras. O problema aqui é que o programa correria o risco de se confundir com a reforma tributária, que por si só já poderia melhorar a distribuição de renda no Brasil. Idealmente, a reforma reduzirá a tributação sobre o consumo e migrará parte da receita necessária para a renda. Seria aceitável neste momento, um debate pontual que não distorça o andamento dessa reforma. Membros da equipe econômica e especialistas citam o fim das deduções do Imposto de Renda (que na prática é um gasto fiscal) como uma possível fonte de receita para ampliar em quase R$ 20 bilhões a transferência de recursos para a população mais pobre.

Essa conta mostra que existem caminhos para aumentar o Bolsa Família sem risco fiscal. Falta ainda entender melhor como o benefício seria distribuído. O alvo do BF são famílias extremamente pobres, com renda mensal per capita de até R$ 89, ou pobres, com renda de até R$ 178 por mês (e com um membro na faixa de 0 a 17 anos). Paulo Guedes deu a entender que poderia ampliar a participação de trabalhadores informais (que não se qualificam ao BF), e membros da equipe econômica citaram a possível ampliação de benefícios para crianças e adolescentes.

Este segundo caminho faz muito sentido. Os pesquisadores do Ipea Sergei Soares, Letícia Bartholo e Rafael Guerreiro Osorio lançaram em um texto para discussão uma primeira sugestão nessa direção. Eles sugeriram uma renda universal para crianças e complementos para os mais pobres que teriam um impacto que é o dobro do obtido com os programas hoje em vigor.

Entre as justificativas para este foco estão o fato de a pobreza ser maior entre crianças (a taxa é de 30% entre jovens de 0 e 17 anos, contra menos de 20% nas faixas mais velhas, segundo uma análise feita pela OCDE) e as pesquisas do economista James Hackman, vencedor do Prêmio Nobel em 2000, que revelam como o investimento na melhora das condições de vida nos primeiros anos de uma criança se transformam em ganhos de longo prazo para toda a sociedade. O grande risco neste momento é a oportunidade de o aperfeiçoamento de um programa bem-sucedido ser perdida por pressão de quem não entende as limitações da capacidade de transferência de renda do Estado.

Mesmo que fosse possível mobilizar 5% ou 7% do PIB como defendem alguns, isso provavelmente não seria desejável. Esse esforço só seria viável com uma elevação monumental da carga tributária e inviabilizaria qualquer investimento em outros serviços públicos – tão necessários quanto uma renda mínima para a qualidade de vida dos mais pobres. É mais prudente escolher o caminho do gasto eficiente e não o do aumento interminável do tamanho do Estado.

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