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| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Há tempos se sabe que a democracia não é apenas um regime de eleições periódicas, nem só de autotutela direta sobre os próprios interesses. Há direitos a serem protegidos, procedimentos formais a serem seguidos, instituições a serem respeitadas. Em uma democracia sadia, ninguém pode arvorar-se dono da sociedade civil e tentar impor seu projeto pessoal de sociedade. Isso não significa que as pessoas devam abrir mãos de suas convicções ou de buscar soluções para seus problemas. Ao contrário, uma democracia é tanto mais vibrante quanto mais as pessoas levam a sério o valor umas das outras e se engajam no diálogo e no convencimento livre. Do contrário, a coisa pública é apropriada por interesses privados e momentâneos – mesmo que sejam da maioria – em detrimento do bem comum, e força prevalece sobre o direito.

Nossas convicções: O valor da democracia

Não se nega que os caminhoneiros autônomos, quem primeiro levantou a voz sobre os preços do diesel, possam ter razão em algumas de suas reivindicações. Talvez a política de reajuste quase diário dificulte o cálculo do frete em um mercado já fortemente onerado e depreciado pelo aumento da oferta, decorrente da política de subsídios do governo Dilma Rousseff (PT). Entende-se que as pessoas estejam bravas, que a retomada da economia patine, mas há um sem-número de alternativas legítimas para defender as próprias pautas em uma democracia.

O movimento nunca teve nada de democrático. Pelo contrário, é mais do velho autoritarismo e do corporativismo à brasileira

Os caminhoneiros alegam que não foram ouvidos pelo governo antes de começarem a greve. Poderiam ter engajado a sociedade civil por meio de manifestos e carreatas. Poderiam ter envolvido com mais força seus representantes no Legislativo, para aumentar a pressão sobre o Executivo. Poderiam ter feito paralisações parciais ou de apenas um dia. Poderiam desde o início ter isentado itens de necessidade básica, como insumos hospitalares, e alimentos perecíveis de ficarem parados nas estradas. Não fizeram nada disso e escolheram paralisar as atividades de uma vez, colocando o país de joelho por meio da chantagem.

Nossas convicções: O Estado de Direito

Já explicamos neste espaço, com pesar, que esse estado de coisas levou a classe política a pensar em soluções inadequadas, que tendem a sacrificar ainda mais as contas públicas e fomentar o populismo em detrimento da eficiência de longo prazo do mercado de refino – o que tenderia a beneficiar a todos no fim das contas. Seja como for, por mais que os caminhoneiros tivessem adotado um caminho autoritário desde o início, o país estava com o abacaxi nas mãos e as autoridades precisaram oferecer alguma solução. Ela envolve ou sangrar a Petrobras, ou onerar Tesouro ou bancar a política de preços e a meta fiscal e, se o movimento se mostrar intransigente, enfrentar com força policial a arruaça nas estradas, que está levando o país à beira do caos. Em uma democracia, o uso da força, sempre balizado pelo direito, é uma alternativa legítima – ainda mais agora que há bons indícios de que entidades patronais, pegando carona na bagunça, estejam estimulando a greve, o que é ilegal. Na noite desta sexta-feira (25), em coletiva de imprensa, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, confirmou que a Polícia Federal intimou para depor 20 empresários suspeitos de organizarem o locaute, que é proibido pela lei 7.783/1989, a Lei de Greve, e que poderão ser processados por uma série de crimes.

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A combinação entre a ignorância de preceitos básicos da convivência democrática, um governo politicamente fraco e uma classe política que está respondendo a demandas de curtíssimo prazo levou a uma proposta mais do que generosa do governo na noite de ontem (24). Não há sinais de que a greve – ou locaute – vá acabar. Os caminhoneiros rejeitaram a redução apenas da Cide proposta pelo governo federal, rejeitaram o gesto de boa vontade da Petrobras, que diminuiu o valor do diesel em 10% por 15 dias, rejeitaram a aprovação do fim do Pis/Cofins pela Câmara e agora parecem ter rejeitado a proposta de ontem. Prometem suspender o movimento apenas se o Senado aprovar o pacote da Câmara e o presidente Temer o sancionar. Não cedem um milímetro em suas reivindicações e fazem ouvidos moucos ao chamamento à razoabilidade. Confirmam, assim, que seu movimento nunca teve nada de democrático. Pelo contrário, é mais do velho autoritarismo e do corporativismo à brasileira.

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