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 | Vladimir Platonow/Agência Brasil/
| Foto: Vladimir Platonow/Agência Brasil/

Entre as muitas preocupações levantadas pela greve dos caminhoneiros nos dez dias de paralisação, estiveram as menções à “intervenção militar”, que volta e meia surge como panaceia no debate público nacional, muitas vezes a partir de uma leitura equivocada do artigo 142 da Constituição Federal, equívoco já tantas vezes exposto neste espaço. Embora levantamentos levados a cabo pela Torabit e pelo Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) mostrem que os pedidos de intervenção eram minoritários nas interações sobre a greve em redes sociais, sua presença estava longe de ser desprezível. Segundo um relatório da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV, entre os dias 20 e 30 de maio, houve 952.500 tuites pedindo intervenção e um total de 2,1 milhões de interações no Facebook e no Twitter ao redor do tema. Importante frisar que os levantamentos não consideram o WhatsApp.

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Felizmente, até mesmo lideranças e figuras públicas que estão no extremo do espectro político manifestaram-se contra a ideia de intervenção. O general Hamilton Mourão, por exemplo, que em setembro do ano passado afirmou que ou o país resolvia o problema da corrupção ou o Exército teria que “impor isso”, no dia 29 classificou os pedidos de intervenção como “desserviço” e disse que “o país não tem que ser tutelado pelas forças armadas”. Por sua vez, Jair Bolsonaro (PSL), o mais entusiasmado com a greve entre os pré-candidatos à Presidência, afirmou no último dia 31 que nunca defendeu intervenção militar. É um alento que lideranças extremadas não estejam dispostas a abrir mão das eleições, mas a presença dos clamores por intervenção – que, em bom português, seria um golpe de estado – convida à reflexão sobre a democracia brasileira.

Opinião da Gazeta: A democracia e os generais (editorial de 02 de outubro de 2017)

Ainda que não se descarte a má-fé de alguns grupos e perfis falsos em redes sociais, não se pode negar que a insistência no tema da intervenção militar é um reflexo de ineficiências institucionais e, em maior grau, das deficiências da cultura democrática no país, notadamente da falta de conhecimento político e dos baixos níveis de confiança institucional e interpessoal. Quando falta conhecimento político às pessoas, falta a elas a capacidade de formular adequadamente suas demandas de acordo com as “regras do jogo” e, no fim das contas, os cidadãos acabam presos entre a apatia total e o desejo de se posicionar “contra tudo que está aí”. Quando falta confiança, falta a motivação para agir e buscar soluções conjuntas em espírito de boa-fé, e sobram o excesso de regulação, a burocracia e regras inflexíveis.

Não se muda a cultura política de um país do dia para a noite, mas o tema precisa ser enfrentado

Em matéria de conhecimento político, a situação não é boa. Um levantamento de 2014 do Pew Research Center mostra que apenas 42% dos brasileiros acompanham com regularidade o noticiário político. No mesmo ano, a pesquisa “Sonho Brasileiro de Política” mostrou que 39% dos jovens brasileiros estão alheios à política, mas que a maioria deles quer saber mais sobre o tema e 65% acham que ele deveria estar presente nas escolas. Em uma pesquisa inédita que avaliou a qualidade da democracia no município de Curitiba, o Instituto Atuação descobriu que os jovens de 18 a 24 anos compreendem a faixa etária que tem menos conhecimento sobre direitos e deveres dos cidadãos e sobre a responsabilidade das instituições. No agregado total, a cidade pontua apenas 26,6% no quesito conhecimento político, entre zero e 100 pontos possíveis.

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Também vamos mal em matéria de confiança. Segundo o último Índice de Confiança na Justiça (ICJ) da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), apenas 6% dos brasileiros confiam no governo federal e 7% no Congresso Nacional e nos partidos políticos. De acordo com a última medição do Latinobarômetro, 43% dos brasileiros pensam que a democracia é uma forma de governo preferível às outras, apenas 13% estão satisfeitos com a democracia e só 1% acredita viver em uma democracia plena. Pior ainda, só 7% confiam na maioria das pessoas. Para se ter uma ideia, na Noruega, que está no topo do Índice de Democracia da Revista Economist, 73% das pessoas confiam umas nas outras. 

Não se muda a cultura política de um país do dia para a noite, mas o tema precisa ser enfrentando. No contexto eleitoral, é preciso superar a polarização ideológica infértil, que inibe a cooperação em prol do bem comum e fomenta a desconfiança. Alguns ajustes institucionais também teriam um impacto positivo no curto prazo: a continuidade do combate à corrupção, aumentando a transparência e a imparcialidade das instituições, e a adoção do voto distrital misto, aproximando a população da representação política, por exemplo. No médio e no longo prazo, porém, a sociedade brasileira precisará pensar em soluções inovadoras para aumentar o conhecimento político dos cidadãos e deveria valorizar mais o protagonismo das pessoas, fortalecendo associações e descentralizando decisões políticas.

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