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A política fiscal diz respeito às formas e mecanismos pelos quais o governo arrecada tributos, de um lado, e à estrutura de gastos consubstanciada no orçamento público, de outro. Em termos gerais, o governo pode terminar o exercício fiscal com superávit de caixa (gastos menores que as receitas), equilíbrio de caixa (gastos iguais às receitas), ou em déficit (gastos acima das receitas). Como o governo – municípios, estados e União – é grande demais em seu todo, chegando a gastar o equivalente a 41% do Produto Interno Bruto (PIB), o resultado das contas públicas é decisivo para determinar o rumo da economia nacional.

O inchaço do Estado brasileiro, iniciado em meados dos anos 50, deu causa a um tempo de déficits públicos crônicos, que resultaram em elevada inflação no início dos anos 60, que viria a ser debelada pela política econômica de Otávio Gouveia de Bulhões e Roberto Campos, no governo Castello Branco. Alguns anos à frente, o Brasil retomou a sequência de déficits, o país nunca mais parou de gastar além da arrecadação e a inflação se estabeleceu como doença crônica, com toda sorte de estragos que costuma resultar de sua existência.

Após quatro planos econômicos desde o governo Sarney, somente em 1994 o país conseguiu êxito no combate à inflação, com o Plano Real. A partir daí, a população entendeu que a inflação é um mal e deve ser combatida sem tréguas, e uma condição necessária para tal é a disciplina nos gastos do governo. Assim, nasceu a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), com a finalidade de conter a irresponsabilidade de prefeitos, governadores e do presidente da República, por meio da fixação de limites e regras para o gasto público. A LRF tornou-se uma conquista nacional e sua existência é fundamental para a gestão macroeconômica.

Na formulação da Lei Complementar 101/2000, foi estabelecido, em seu artigo 36, que um banco estatal está proibido de fazer empréstimos a seu próprio controlador. Isto é, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal não podem fazer empréstimos ao governo federal, que é o controlador dessas instituições financeiras. Essa proibição já estava prevista desde 1986, quando foi aprovada a "lei do colarinho-branco" (Lei 7.492/1986).

Atualmente, se não bastassem as manipulações contábeis no balanço fiscal, o Ministério da Fazenda resolveu atrasar os repasses de recursos do Tesouro Nacional para o pagamento do seguro-desemprego, do abono salarial e do Bolsa-Família. Mas a Caixa Econômica continuou pagando os beneficiários, gerando duas situações graves. A primeira revela que o governo está se comportando de maneira no mínimo irresponsável, pois esses programas são parte estrutural da política social. A segunda é que a Caixa pode estar incorrendo em crime contra o sistema financeiro, conforme se depreende da consulta que seu departamento jurídico fez à Advocacia-Geral da União (AGU).

Se a AGU disser que não há transgressão às previsões legais de que nenhum banco pode fazer empréstimo a seu próprio dono, será estabelecida uma grande confusão e precedente perigoso. Houve um tempo em que um banqueiro tomava empréstimo de seu próprio banco – isto é, usava os depósitos dos clientes para emprestar a si mesmo, a fim de aplicar em seus negócios fora do banco. A proibição dessa prática, prevista em lei, é saudável e necessária para a saúde do sistema financeiro. Logo, o governo não pode ficar devendo para a Caixa Econômica, o que está acontecendo agora porque o Tesouro Nacional está atrasando os repasses para pagar os beneficiários daqueles programas sociais.

Se a AGU disser que, ao pagar os beneficiários dos programas sem o repasse do governo, a Caixa Econômica transgrediu a lei, isso caracteriza crime financeiro. No campo da gestão macroeconômica, trata-se de claro desvio na política fiscal, além de ser inaceitável que o governo implante um programa social e interrompa os repasses ao órgão pagador dos benefícios, que nesse caso é a Caixa Econômica.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, deu entrevista estranha ao jornal Valor Econômico, minimizando a gravidade e as consequências do episódio. Não é bom sinal, nem bom exemplo; tal prática merece ser repudiada por representar desvio da Lei de Responsabilidade Fiscal, sem a qual a deterioração das finanças públicas no Brasil seguramente teria levado ao retorno da inflação e do empobrecimento social.

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