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O desembarque do PMDB lançou o Palácio do Planalto em modo de desespero. O partido com a maior bancada tanto na Câmara quanto no Senado era a tábua de salvação de Dilma Rousseff, e sua saída da base aliada torna o impeachment uma possibilidade muito mais real. Para ter alguma chance de evitar o mesmo destino de Fernando Collor, em 1992, só restou a Dilma transformar o governo em um balcão de negócios puro e simples.

A saída do PMDB deveria deixar vagos sete ministérios – alguns dos atuais ocupantes das pastas resistem em largar o osso, no entanto – e cerca de 600 cargos de segundo e terceiro escalões. Seria uma oportunidade de ouro para Dilma mostrar que seu “corte na carne” não era mero palavrório: quantos desses cargos não poderiam ser extintos ou unidos, promovendo assim alguma economia a um governo claramente incapaz de controlar seus gastos? Mas não: essas indicações terão um outro destino, como moeda de troca na luta desesperada para evitar o impeachment.

“Repactuar a relação”, como disse Jaques Wagner, é só um eufemismo para o antigo toma-lá-dá-cá

A conta é simples: para o afastamento de Dilma são necessários 342 votos no plenário da Câmara. Isso significa que, descontando o presidente da Casa, bastam ao governo 171 deputados. Nem é necessário que todos eles digam para toda a nação que estão fechando os olhos aos crimes de responsabilidade cometidos por Dilma; a abstenção também convém ao governo. Qualquer probleminha que, em uma incrível coincidência, faça o parlamentar faltar a uma sessão em que se decide o futuro do país é um ponto para Dilma – e o deputado ainda poderá tentar se justificar diante de seu eleitorado, brandindo um atestado ou usando sabe-se lá que desculpa para alegar que até queria ter estado no plenário para dizer “sim” ao impeachment, mas aconteceram imprevistos, a vida é assim.

Para chegar ao número mágico, o governo certamente conta com a lealdade ideológica dos petistas e de outros deputados, mas apenas eles não são suficientes. É preciso conquistar alguns outros partidos, e quem sabe alguns dos peemedebistas descontentes com a decisão da legenda. É para isso que servirão as centenas de cargos, naquilo que Jaques Wagner chamou de “repactuar a relação”, um eufemismo para o antigo toma-lá-dá-cá em que as nomeações serão usadas para conquistar a adesão daqueles cujas convicções estão à venda. O desespero é tal que até o Ministério da Saúde, uma pasta cujo titular tradicionalmente vem da “cota pessoal” do presidente da República, pode entrar nas negociações em caso de saída de Marcelo Castro, um dos peemedebistas que não pretendem entregar o cargo.

Na busca pelos votos que salvem Dilma do impeachment, os cargos não são a única mercadoria. Também há as emendas individuais de deputados e senadores ao Orçamento, cuja liberação depende do Executivo. O Ministério do Planejamento pretendia contingenciar até R$ 1,8 bilhão dessas emendas – valiosas porque permitem aos parlamentares “mostrar serviço” a suas bases eleitorais –, mas esse contingenciamento não ocorreu. Podemos estar diante de outro episódio como o ocorrido no fim de 2014, quando o governo, por meio de um decreto, condicionou a liberação de R$ 444 milhões em emendas e obras à aprovação do projeto de lei que oficializava a manobra fiscal de Dilma naquele ano.

Nessas tenebrosas transações, Dilma não se rebaixa sozinha ao oferecer cargos: rebaixam-se também aqueles que aceitam negociatas tão vis. Se faltar a alguns parlamentares a dignidade necessária para não colocar sua lealdade à venda, que seja a população a fiscalizar a atuação de seus representantes, cobrando deles a decência que não são capazes de mostrar por conta própria.

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