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| Foto: Juan Barreto/AFP

Após a eleição para a Assembleia Nacional Constituinte na Venezuela, no domingo passado, o ditador Nicolás Maduro divulgou orgulhosamente que 8 milhões de eleitores haviam ido às urnas, número maior que os 7,2 milhões de participantes da consulta informal organizada pela oposição em 16 de julho e que rechaçou a convocação de um colegiado para elaborar uma nova Constituição para o país. Mas, agora, a própria empresa responsável pelas urnas eletrônicas usadas na eleição, a Smartmatic, acusa Maduro de ter inflado os dados de participação e, segundo dados obtidos da própria autoridade eleitoral venezuelana aos quais a agência Reuters teve acesso, até as 17h30 do dia 30 de julho apenas 3,7 milhões de pessoas haviam votado.

A fraude parece evidente, mas, ainda que o número divulgado por Maduro seja real, há diversos outros motivos para questionar a votação, a começar pelo fato de o sistema de escolha desvirtuar completamente a representação popular: enquanto parte das cadeiras na Constituinte foi destinada a representantes de grupos e categorias tradicionalmente ligados ao chavismo, até mesmo o critério territorial foi deturpado: cada município venezuelano, independentemente do tamanho de sua população, elegeu um representante, com exceção das capitais de estado, que elegeram dois. Isso deu mais importância às pequenas cidades da zona rural, onde o chavismo é mais forte, enquanto os grandes centros têm sua voz enfraquecida.

O sistema de escolha dos constituintes desvirtua completamente a representação popular

Além disso, a versão venezuelana do voto de cabresto foi colocada em prática, com a cobrança explícita para que os beneficiários dos programas sociais, portadores do “cartão da pátria”, fossem votar. A Reuters também registrou ameaças a funcionários públicos e de empresas estatais, que perderiam o emprego caso preferissem ficar em casa – na Venezuela o voto é facultativo. À ameaça se somou a violência empregada pelo regime bolivariano contra os protestos da oposição, com pelo menos 15 mortes apenas no dia do pleito, além de uma nova rodada de prisões arbitrárias: na terça-feira, os líderes Leopoldo López e Antonio Ledezma, que estavam em prisão domiciliar, voltaram a ser levados de suas residências, sob a alegação de que estariam planejando fugir do país.

Presos políticos, violência desenfreada, fim das liberdades democráticas, fraude, desrespeito ao Poder Legislativo: esses são os ingredientes da ditadura venezuelana, para a qual a comunidade internacional está lentamente despertando. Os Estados Unidos anunciaram sanções que incluem o congelamento dos bens de Maduro no país. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos condenaram a violência governamental contra os protestos de oposição. Diversos países, blocos e organizações não reconheceram o resultado da eleição, como a União Europeia, a Organização dos Estados Americanos, a Colômbia e a Argentina. O Itamaraty havia feito anúncio semelhante no domingo, mas o ministro Aloysio Nunes deu declarações no sentido inverso ao jornal O Globo, afirmando que “não existe a figura de não reconhecer”. Considerando o peso do Brasil dentro do concerto regional sul-americano, a omissão diante do enorme drama causado pela ditadura chavista é completamente lamentável.

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Nada disso, é claro, impede a esquerda brasileira de manifestar seu apoio à Constituinte de Maduro, que não passa de uma manobra para anular o poder do Legislativo, a Assembleia Nacional, com maioria oposicionista desde as eleições parlamentares do fim de 2015. Entre os grandes entusiastas da ditadura venezuelana estão o PT, o PCdoB e o PSol; no máximo, alguns políticos desses partidos se limitam a criticar a violência empregada por Maduro, mas nunca associando-a à ideologia socialista que embasa a “revolução bolivariana”, fazendo malabarismos retóricos para não ter de admitir a realidade: ao contrário do que diz o nome de uma dessas legendas, socialismo e liberdade não coexistem – onde quer que aquela se imponha, esta logo acaba sufocada.

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