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O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.| Foto: Isac Nóbrega/Presidência da República

Diz o manual do bom gestor que os elogios são feitos em público e as críticas, em particular. Infelizmente, não é o que vem ocorrendo com o presidente Jair Bolsonaro em sua relação com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. A origem do choque está na divergência sobre a melhor forma de lidar com a pandemia do coronavírus, especialmente no que diz respeito ao isolamento e à reabertura dos negócios. Quem afirmava que as discordâncias entre ambos eram uma invenção da imprensa para enfraquecer o governo teve de ouvir Bolsonaro dizer, na última quinta-feira, em entrevista à rádio Jovem Pan, que “Mandetta já sabe que estamos nos bicando há algum tempo”, que “em algum momento ele extrapolou” e que “está faltando um pouco mais de humildade” ao ministro. No domingo, o presidente voltou a falar de pessoas em seu governo que “estão se achando” e “viraram estrelas”, mas foi além. Em uma verdadeira ameaça velada, acrescentou que “vai chegar a hora deles”, ou seja: em vez de resolver definitivamente o que parece ser um problema óbvio, o presidente prefere manter no governo quem lhe causa transtornos, contando com um acerto de contas futuro. Bolsonaro não citou nomes, mas, dado todo o contexto, não é absurdo supor que ele estivesse se referindo ao ministro da Saúde.

Não surpreende que, depois da entrevista em que Bolsonaro confirmou o choque com seu ministro, tenham crescido os pedidos pela demissão de Mandetta – um dos mais recentes veio de Olavo de Carvalho, mentor ideológico de parte do governo. Relatos palacianos dão conta de que a demissão poderia ter ocorrido na tarde desta segunda-feira, mas ministros da ala militar convenceram Bolsonaro a manter Mandetta. Mesmo assim, os rumores persistem e existe até mesmo um nome para o cargo, o de Osmar Terra, que já esteve no primeiro escalão de Bolsonaro, ocupando a pasta da Cidadania até fevereiro deste ano. Isso apesar de uma recente pesquisa do instituto Datafolha ter apontado que 82% dos eleitores do presidente apoiam o modo como o Ministério da Saúde vem conduzindo a prevenção e o combate ao coronavírus. Até agora, o ministro tem respondido a tudo sem elevar o tom, embora não deixe de demonstrar incômodo com a situação, como quando afirmou que “quem tem mandato fala, quem não tem trabalha”.

O sucesso de Mandetta poderia ser também o sucesso de Bolsonaro como chefe e como gestor de uma equipe

O debate sobre a reabertura de estabelecimentos comerciais e industriais é não apenas legítimo, mas necessário. À medida que o isolamento social se prolonga, os efeitos na economia são sentidos de forma mais intensa, e “a economia” não é um ente abstrato e impessoal, e sim milhões de pessoas afetadas: autônomos que estão sem trabalho algum, assalariados que perdem seus empregos, empresários sem capital de giro. Muitos deles, especialmente os mais pobres, mais cedo ou mais tarde terão seu sustendo ameaçado, se é que já não estão passando por necessidade. Há casos em que nem mesmo as medidas que o governo vem tomando – acertadamente, é preciso lembrar – serão capazes de atenuar as dificuldades.

Com duas situações tão graves na balança, divergências são algo natural – como, aliás, em muito do que diz respeito à Covid-19 até agora, desde as projeções de casos e mortes até a eficácia deste ou daquele tratamento –, agravadas, no caso brasileiro, pela falta ou pela defasagem dos dados que dariam uma dimensão real da doença, graças à dificuldade em se testar massivamente a população. De cada lado deste debate há pessoas de boa fé, que, analisando os dados disponíveis, com toda a honestidade de consciência defenderão determinadas formas de lidar com a pandemia. E Bolsonaro não descarta que seu ministro tenha razão, pois na mesma entrevista afirmou que “pode ser que ele [Mandetta] esteja certo”.

“Se ele se sair bem, sem problemas”, ainda disse Bolsonaro à Jovem Pan – na verdade, poderia ser muito mais que isso. O sucesso de Mandetta poderia ser também o sucesso de Bolsonaro como chefe e como gestor de uma equipe que, como já lembramos em outra ocasião, não conta apenas com o ministro da Saúde no combate à pandemia. As divergências seriam tratadas de maneira privada enquanto se buscam consensos ou se fazem concessões. O próprio Mandetta não tem se mostrado inflexível; apesar de defender a manutenção das medidas restritivas neste momento, já criticou o modo como elas foram implantadas e também falou em um planejamento para a reabertura dos negócios. Essa reativação precisará ocorrer em algum momento; o Ministério da Saúde poderia colaborar oferecendo critérios (relativos, por exemplo, à estabilização na curva de contágio ou à capacidade das redes hospitalares) que sejam aceitáveis para que se pense no fim do isolamento?

Por fim, se as divergências realmente continuarem insanáveis e não houver uma mudança sincera de posicionamento em nenhum dos lados, Bolsonaro não precisa continuar lembrando a nação de que “tem a caneta na mão”; basta usá-la. Será mais honesto com Mandetta do que continuar fritando e ameaçando publicamente seu ministro, como já fez com outros que deixaram o governo. Mas que Bolsonaro também tenha a consciência de que, se fazer valer a própria convicção é legítimo em se tratando do chefe do Executivo, o resultado – bom ou ruim – não poderá ser “terceirizado” para seu novo ministro, especialmente se o critério de escolha for justamente a afinidade com as ideias do presidente.

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