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Certamente movido pelo interesse de consolidar a preferência que as camadas mais humildes da população nutrem pela sua candidatura, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ontem em Olinda (Pernambuco) a sua mais contundente e clara defesa do sistema de cotas para afrodescendentes nas universidades. "Os que são contra, são por preconceito", afirmou, faltando ao cuidado que se exige de alguém investido na mais alta magistratura da Nação quando se dispõe a se pronunciar sobre assunto tão polêmico e delicado quanto este.

A fala de Lula dá-se no momento em que, em razão da mobilização dos grupos pró e contra a adoção do sistema, o Congresso Nacional sabiamente adiou para o ano que vem a votação de dois projetos – o Estatuto da Igualdade Social e o que garante cotas de acesso aos bancos universitários para negros. Com isto, quis evitar que a discussão seja contaminada e distorcida pelo clima da campanha eleitoral que transcorre no país.

O pronunciamento do presidente da República exatamente nessa hora mostra que, de fato, o Congresso agiu corretamente. Com certeza, aprovar a toque de caixa projetos de tão graves repercussões, no momento em que as atenções dos parlamentares estão voltadas para o vale-tudo da caça aos votos, aumenta o risco de se transformar em lei um conjunto de propostas que está longe ainda de obter o devido consenso social.

Não há no Brasil quem, em sã consciência, deixe de reconhecer a necessidade de se adotar medidas destinadas a promover a inclusão de numerosos segmentos, hoje marginalizados e impedidos de participar dos avanços sociais. Dentre tais segmentos, encontra-se o da vastíssima população de afrodescendentes, em grande parte situados nas camadas mais pobres.

E não há, também, quem não entenda ser a educação universal e de qualidade o instrumento mais eficaz e democrático para tornar concreta e sustentável a meta de integrar indistintamente todos os segmentos sociais ao processo de desenvolvimento humano. É neste conceito que se baseiam, aliás, os defensores da instituição das cotas no ensino universitário.

Há, porém, os que acreditam que o melhor método não é o de criar cotas no fim do ciclo formal do aprendizado, mas sim garantir a todos, sejam quais forem suas origens étnicas, educação de base de alta qualidade. Os que defendem esta visão baseiam-se nas evidências de que, no Brasil, a baixa presença de afrodescendentes no ensino superior não se deve à cor da pele, mas sobretudo à falta de oportunidades que atinge generalizadamente os pobres – vítimas indefesas do nível de educação sofrível que se ministra nas escolas públicas.

Não se pode, pois, acusar apressadamente de preconceituosos ou racistas os que preferem a segunda alternativa, como lamentavelmente o fez o presidente Lula no pronunciamento eleitoreiro de ontem. Pensar, falar e agir dessa maneira só contribui para colocar a questão sob exclusivo prisma racial – estreito demais para explicar o fenômeno da desigualdade social do país.

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