As eleições para o Parlamento Europeu, realizadas no dia 26 de maio, não resultaram em um triunfo dos eurocéticos populistas, como se previa – e, dependendo do analista, como se temia –, mas as forças políticas que pedem uma Europa mais descentralizada, com mais autonomia para os países-membros, ganharam espaço suficiente para serem uma força que precisará ser ouvida nos próximos anos. O apoio que esses partidos têm recebido em diversas nações europeias, inclusive nas mais fortes dentro do bloco, pede uma reflexão despida de estereótipos a respeito de eleitores e eleitos.
Os eurocéticos foram os campeões de votos em três potências europeias. Na França, a Reunião Nacional, de Marine Le Pen, conquistou 23 das 79 cadeiras destinadas ao país – o mesmo número dos centristas, mas a RN foi ligeiramente mais votada. Na Itália, a Liga, do vice-primeiro-ministro Matteo Salvini, obteve 29 das 76 cadeiras, e o Movimento Cinco Estrelas, outras 14. No Reino Unido, cujo desligamento da UE se tornou uma novela infindável, o recém-criado Partido do Brexit, liderado por Nigel Farage, conseguiu 29 dos 73 postos em disputa. Partidos nacionalistas, mas que no Parlamento Europeu não se alinham automaticamente a outros eurocéticos, como o polonês PiS e o húngaro Fidesz, levaram a maioria absoluta das cadeiras destinadas a seus respectivos países. Outro resultado relevante ocorreu na Alemanha, onde o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) subiu de 4 para 11 deputados.
Em vez da subsidiariedade desejada pelos pais do projeto europeu, tem ocorrido um movimento de hipercentralização
Somadas, as três grandes alianças de partidos nacionalistas e eurocéticos elegeram 128 eurodeputados em um total de 751, tornando-se a terceira força dentro do Parlamento Europeu – ou a segunda, se também forem considerados políticos do mesmo perfil espalhados por outros grupos. Essas alianças não deverão integrar a coalizão majoritária, já que bastaria aos dois maiores blocos pró-europeus se unirem aos Verdes para manter a maioria dentro da casa legislativa, mas ganharam força para que seus pleitos sejam ao menos considerados.
O fenômeno do populismo e do euroceticismo, ao contrário do que um retrato precipitado mostra, não é movido por um ódio puro e simples aos imigrantes que, mais recentemente, têm buscado refúgio na Europa, escapando de infernos como a Líbia, a Síria e o Iêmen. O racismo e a xenofobia são reais, mas o que está por trás de boa parte da resistência ao projeto europeu é uma sensação mais ampla, de que o ideal que guiou personalidades como Robert Schuman, Alcide de Gasperi e Konrad Adenauer se perdeu. A ideia original deles e de outros líderes era a de uma cooperação europeia alargada, para superar as divisões que haviam levado o continente a duas grandes guerras em menos de 50 anos; uma cooperação baseada principalmente na subsidiariedade – presente, por exemplo, no Tratado de Maastricht, de 1992, que estabeleceu a UE em substituição à Comunidade Econômica Europeia – e no respeito às autonomias nacionais.
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O que tem ocorrido, no entanto, é um movimento de hipercentralização, em que poderes antes delegados aos países-membros são paulatinamente deslocados para a administração central da UE em Bruxelas. Ali, uma burocracia nem sempre eleita pelos cidadãos europeus tem incrementado regulações que, muitas vezes, ignoram realidades locais e sufocam especialmente pequenos empresários e produtores agrícolas. Além disso, essa mesma burocracia, em nome de convicções multiculturalistas, também tem procurado impor valores estranhos ao ethos de vários dos países-membros. A questão migratória, por esse prisma, é apenas a gota d’água que despertou uma reação daqueles para quem Bruxelas estava indo longe demais, especialmente quando se trata de grupos que recusam a assimilação em sua nova casa.
Como os partidos nacionalistas e eurocéticos usarão o prestígio conquistado recentemente ainda é uma incógnita. Se preferirem a retórica explosiva e as estratégias de terra arrasada, eles podem implodir o projeto europeu por dentro, com consequências imprevisíveis, a exemplo do que já vem ocorrendo com o Brexit. Ou podem trabalhar para aperfeiçoar este mesmo projeto, devolvendo-o às suas origens, de colaboração entre os membros com respeito às autonomias e culturas de cada nação, restringindo ímpetos hiper-regulatórios e multiculturalistas, um cenário em que o continente só tem a ganhar.
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