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Ainda durante o período autoritário, em 1979, o Brasil adotou uma lei de anistia que preparou o caminho para a redemocratização, afinal completada em 1985, com a eleição de um presidente civil. Essa anistia, ampla, geral e irrestrita, buscou reconciliar os lados em confronto beneficiando indistintamente os acusados de crimes políticos situados à esquerda do regime e os agentes da lei que haviam reprimido aqueles opositores. Reavivar aqueles tempos difíceis, como tentam fazer alguns auxiliares do governo, pode não ser a melhor linha para a sociedade brasileira, que em vez de ficar olhando para o passado prefere dialogar com o futuro.

Estas considerações surgem a propósito do livro "Direito à Memória e à Verdade", publicado pela comissão de indenização às vítimas do período autoritário e das circunstâncias do seu lançamento, procedido no Palácio do Planalto, com a presença do presidente da República e vários ministros, entre eles o da Defesa. Enquanto o presidente Lula fazia um pronunciamento moderado, anunciando a disposição de "trabalhar para que a sociedade brasileira feche esta página da história, para construir um futuro com solidariedade", o ministro Nelson Jobim excedeu-se, ameaçando quem reagisse ao livro "com a resposta adequada".

O novo titular da pasta da Defesa se referia à ausência, notada, dos chefes militares à cerimônia. Estes preferiram se escusar ao convite com a alegação de outros compromissos. A reclamação interna dos militares se vinculava ao fato de o governo ter assumido a obra como texto de Estado – sem ouvir o outro lado – e ter realizado seu lançamento com uma cerimônia no palácio. O clima geral, contudo, era conciliador, aceitando-se a linha presidencial de anunciar a abertura dos últimos arquivos do regime militar, bem como o papel do secretário nacional de direitos humanos, que ressaltou a colaboração das Forças Armadas para o esclarecimento de aspectos ligados aos presos políticos.

Por isso a manifestação do ministro Nelson Jobim foi recebida com desagrado, merecendo protesto do presidente do Clube Militar e de outros oficiais de alta patente. O constrangimento é tanto maior quando se sabe que o novo titular da Pasta da Defesa tem pela frente tarefas complexas, sendo a primeira a normalização no setor aéreo e, depois, o reaparelhamento das Forças Armadas num cenário de escassez de recursos.

Ainda, como a legislação brasileira sobre anistia foi adotada há 28 anos não faz sentido reavivar feridas apenas para exercitar capacidade de mando. Ao contrário; a autoridade democrática se legitima por atos coerentes e conseqüentes. A propósito, o Brasil conseguiu superar aquele período de tensão gerado pela Guerra Fria – da interrupção do governo civil – com raro equilíbrio; à diferença de países vizinhos, ainda agora às voltas com as sombras do passado.

O perfil conciliatório, capaz de levar ao diálogo correntes opostas, é próprio da nossa história e constitui elemento importante para que o país possa seguir adiante, em busca do aperfeiçoamento democrático e de conquistas ainda não alcançadas.

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