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 | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Por mais que estejamos próximos do carnaval, parece que a descrição perfeita da vida do brasileiro não está em nenhum dos ritmos de folia, mas no “carimbador maluco” da canção de Raul Seixas, aquele que não deixava ninguém voar se não estivesse tudo “selado, registrado, carimbado, avaliado, rotulado”. Isso explica a vergonhosa posição do Brasil no Índice de Liberdade Econômica divulgado nesta sexta-feira pela Heritage Foundation. O país ocupa o 153.º lugar entre 180 países, com nota 51,4 em uma escala que vai de zero a 100. O resultado mantém o Brasil no grupo das nações “majoritariamente não livres”, com algumas agravantes, como o fato de esta ser a sexta queda seguida na nota. O país perdeu 1,5 ponto em comparação com o ranking divulgado em 2017, e um desempenho semelhante em 2019 já colocaria o Brasil no grupo das economias “reprimidas”, que têm nota até 49,9.

Como vários outros estudos semelhantes, o Índice de Liberdade Econômica é subdividido em diversos itens que ajudam a compreender melhor os pontos fortes e fracos de cada país. Alguns números não surpreendem, como os 31,4 pontos em “integridade do governo”. Mas é no grupo chamado “tamanho do governo” que reside nossa bomba-relógio. A carga tributária ganhou nota 70,6; ela pode até parecer boa, já que países desenvolvidos arrecadam parcelas bem maiores do PIB que o Brasil e tiveram pontuações menores que a nossa, mas a nota 50,7 em “gastos do governo” mostra que o Estado brasileiro gasta muito e gasta mal. O resultado é uma trajetória de insolvência fiscal tão escancarada – basta ver os sucessivos déficits primários – que o país amarga uma nota 7,7 no item “saúde fiscal”. Não à toa o Brasil acabou de ser rebaixado pela agência de classificação de risco Standard and Poor’s apesar da queda recente na inflação e nos juros.

Com exceção de alguns raros espasmos de liberalismo, a regra, à direita e à esquerda, tem sido o excesso de regulamentações

Outro item que merece atenção é a “eficiência judicial”, que, na visão da Heritage Foundation, “especialmente para os países em desenvolvimento, pode ser a área da liberdade econômica que é mais importante para estabelecer as bases do crescimento econômico”, já que “sistemas jurídicos que funcionam adequadamente protegem os direitos de todos os cidadãos contra a violação da lei por outros, inclusive por governos e partidos poderosos”, e “um sistema judicial honesto, justo e efetivo é um fator crítico para fortalecer os indivíduos, acabar com a discriminação e aumentar a concorrência”. Mas o Brasil também patina nesta área, com 55,5 pontos. A avaliação do think tank é a de que “o Judiciário, apesar de ser amplamente independente, é sobrecarregado, ineficiente e por vezes sujeito a intimidação e outras influências externas”.

Notas semelhantes, orbitando em torno dos 50 pontos, foram dadas ao país em vários outros itens, como “direitos de propriedade”, “liberdade de investimento”, “liberdade financeira” e “liberdade de trabalho” – neste último caso, como os dados se referem à situação em junho do ano anterior, a nota 46,8 ainda não reflete o impacto da reforma trabalhista. De positivo, apenas os 71,4 pontos em “liberdade monetária”, principalmente graças à inflação sob controle, pois mesmo os 68,5 pontos em “liberdade de comércio exterior” indicam que “a abertura do governo para investimentos estrangeiros está abaixo da média”.

Não podemos nos iludir acreditando que nossa situação atual é fruto apenas dos quase 14 anos de lulopetismo no Planalto. Ainda que os governos petistas tenham sido, sim, guiados por uma ideologia extremamente centralizadora e avessa à liberdade, essa “herança maldita” é quase que uma constante das últimas décadas, seja em regimes ditatoriais, como o de Getúlio Vargas e o dos militares, seja em governos democráticos. Com exceção de alguns raros espasmos de liberalismo, a regra, à direita e à esquerda, tem sido o excesso de regulamentações, leis, decretos, resoluções, estatutos e que outros nomes mais existirem para todo o emaranhado no qual o empreendedor brasileiro é amarrado de forma que dele só se possa enxergar as narinas, para que consiga respirar (mas não com muita facilidade), e os olhos, para que tenha uma mínima ideia de para onde está indo – “liberdade” essa que não garante em nada a sua sobrevivência, a julgar pelo índice de empreendimentos que naufragam depois de alguns poucos anos.

E a construção de um ambiente de verdadeira liberdade econômica, requisito necessário para um desenvolvimento consistente, será obra de décadas, não de um ou outro governo. Por mais que o país tenha dado alguns passos recentes nessa direção, por exemplo com a reforma trabalhista, a mentalidade centralizadora e regulatória continua firme entre muitos eleitores que, diante de um problema, ainda pensam que a solução está em que se faça uma lei a respeito; entre os eleitos, que, uma vez colocados no Legislativo, respondem a essa expectativa propondo mais leis e regulações que determinam, nos mínimos detalhes, como tudo deve ser feito, como cada um deve conduzir seus negócios, quem pode exercer que profissões e em que circunstâncias; e também no Judiciário, que muitas vezes cai na mesma tentação regulatória. Sem mudar a mentalidade dos brasileiros, mostrando-lhes que são eles os verdadeiros protagonistas de suas próprias vidas, que não podem e não devem esperar passivamente pelas soluções de um Estado paternalista, continuaremos patinando no subdesenvolvimento, voluntariamente escravizados por pedaços de papel, carimbos e assinaturas.

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