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A ofensiva da coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos contra o Estado Islâmico (EI) entrou em uma nova etapa na terça-feira, com o início de ataques com aviões e mísseis em território sírio. Até então, o grupo jihadista estava sendo combatido apenas dentro das fronteiras do Iraque. As forças internacionais envolvem dezenas de países, incluindo potências ocidentais como Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha, e também países árabes e muçulmanos, como Jordânia, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Qatar.

Um dos alvos norte-americanos na Síria foi a cidade de Raqqa, considerada a principal base do Estado Islâmico. Uma das possíveis explicações para só agora locais tão estratégicos terem sido atacados é a resistência russa. Em 11 de setembro, enquanto os EUA ainda costuravam a aliança internacional contra o EI, Alexander Lukashevich, porta-voz da chancelaria russa, disse que qualquer ação em território sírio seria "uma flagrante violação do Direito Internacional". Depois dos ataques, o governo russo manifestou sua oposição, mas, segundo o jornal britânico Telegraph, um conselheiro de política externa do Kremlin, Fyodor Lukyanov, afirmou que a Rússia não tomaria nenhuma medida concreta contra a ofensiva, até porque o enfraquecimento do Estado Islâmico também convém ao ditador Bashar al-Assad, um aliado russo. A Rússia não pretende nem de longe cooperar com os Estados Unidos (a relação entre as duas potências está estremecida graças às ações de Vladimir Putin na Ucrânia), e o Kremlin argumentou que a coalizão não deveria ter atacado sem autorização do Conselho de Segurança (CS) da ONU.

É aqui que residem os principais questionamentos a respeito da ação da coalizão. Até mesmo o papa Francisco já havia considerado legítima a reação contra o Estado Islâmico, pois os jihadistas seriam "agressores injustos", mas o pontífice ressaltou a necessidade de recorrer à permissão da ONU. A coalizão deveria ter esperado para atacar?

A Carta das Nações Unidas, em seus artigos relativos ao Conselho de Segurança, diz que o órgão pode autorizar ações armadas, mas não afirma explicitamente que a autorização do CS é condição sine qua non para qualquer ataque. O artigo 53(2) é o único que proíbe claramente ações militares sem permissão do CS; o texto, no entanto, se refere a iniciativas de "acordos ou entidades regionais" – mas o termo abrange apenas entidades formalmente estabelecidas, como a Otan, ou uma coalizão ad hoc como a costurada pelos EUA se encaixaria neste conceito? Sobra o artigo 2(4), pelo qual os membros da ONU deverão evitar "a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado". E surge outra questão: atacar o Estado Islâmico é atentar contra "a integridade territorial ou a dependência política" do Iraque e da Síria? A conclusão sobre a legitimidade da ação contra o EI sem autorização da ONU fica, assim, dependente da interpretação e das brechas encontradas na Carta.

As crueldades perpetradas pelo Estado Islâmico estão fartamente documentadas – inclusive pelo próprio grupo, que não tem o menor escrúpulo em filmar decapitações e publicar os vídeos na internet. Os jihadistas perseguem e matam cristãos (marcando suas casas como os nazistas faziam com os judeus), yazidis, muçulmanos moderados e todos os que divergem de sua interpretação particular do islamismo. O próprio CS já havia reconhecido que o Estado Islâmico era uma ameaça à "estabilidade, segurança e paz regionais", e exigiu, na Resolução 2.170(2014), de 15 de agosto, que o grupo "cessasse toda violência e atos terroristas". Do ponto de vista estritamente humanitário, uma intervenção estaria, assim, justificada, com base no princípio da "responsabilidade de proteger". É válido considerar que uma aplicação rápida deste princípio por parte da coalizão poderia se sobrepor à necessidade de validação da ONU, que já se omitiu em crises humanitárias no passado, especialmente em Ruanda. As minorias que vivem sob o jugo do Estado Islâmico certamente estariam de acordo.

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