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Marca Made in China, representativa da guerra comercial entre os EUA e a China
| Foto: Johannes Eisele/AFP

A frase “devolver a América para os americanos”, pronunciada por Donald Trump durante a campanha eleitoral, está na origem da chamada “guerra comercial" entre China e Estados Unidos, que tem gerado notícias e debates acirrados nas últimas semanas. Esse assunto não vai terminar e muitos capítulos serão vistos nos próximos meses, pois escaladas protecionistas costumam ser novelas econômicas sem fim. Na essência do problema está o comércio bilateral entre Estados Unidos e China e os tributos sobre produtos comercializados entre os dois países, mas não é só isso. Trump ganhou as eleições em parte com o discurso de que era preciso devolver a América aos americanos e recuperar empregos nos Estados Unidos, e argumentou que era preciso estancar o processo de fechamento de fábricas, causado pelas dificuldades que elas estavam tendo para competir com produtos importados.

Há um ano, mais precisamente em abril de 2018, o governo norte-americano anunciou que iria impor tarifas de 25% sobre 1,3 mil produtos importados da China, com o objetivo de taxar importações de US$ 100 bilhões. Para não dar a impressão de que o problema era somente com a China, o governo Trump divulgou a intenção de adotar medidas protecionistas que atingiriam também o Brasil, a exemplo das tarifas de 25% sobre aço importado e 10% sobre o alumínio. Entre idas e vindas, mudanças foram feitas nessa linha, mas o fato é que a nova onda protecionista norte-americana seguiu seu curso. Na segunda semana de maio de 2019, novas medidas elevaram de 10% para 25% as tarifas de mais de 5 mil categorias de produtos chineses, gerando perplexidade no governo chinês, que reagiu dizendo “lamentar profundamente" a decisão dos EUA e que a China adotaria as contramedidas necessárias, o que já começou a ocorrer.

Existe uma disputa de fundo calcada no protagonismo que cada país quer exercer no jogo de poder mundial

A guerra comercial entre esses dois países não se limita a causas econômicas, e muito menos à política de recuperação de empregos e proteção de fábricas dentro dos Estados Unidos. Existe uma disputa de fundo calcada no protagonismo que cada país quer exercer no jogo de poder mundial e no planejamento geopolítico de longo prazo que as duas nações fazem para si tendo em vista o equilíbrio de forças no cenário global. A retórica do governo Trump sobre a recuperação de empregos e protecionismo da indústria local, a par de agradar boa parte dos cidadãos norte-americanos e ter sua lógica nacionalista, é parte da preocupação dos Estados Unidos em face de cenários traçados por organismos internacionais, a exemplo do que diz o Fundo Monetário Internacional (FMI) quanto à informação de que o Produto Interno Bruto (PIB) chinês por habitante foi o equivalente a 28% do PIB dos Estados Unidos em 2017, contra apenas 8% na virada do milênio – portanto, apenas 17 anos atrás.

A população da China equivale a quatro vezes a população dos Estados Unidos e, tendo isso em conta, o PIB chinês em 2017 equivaleu a 120% do PIB norte-americano pelo critério de paridade do poder de compra; analistas internacionais chegaram a estimar que o PIB por habitante na China pode chegar a 50% do PIB norte-americano até 2050. Esses números levariam a economia chinesa a ter o dobro da economia dos EUA e dariam à China posição muito mais relevante que a atual na estratégia de poder global e no equilíbrio de forças entre as nações. Por todas essas razões, os críticos internos de Trump que centram oposição sob o argumento de que os consumidores dos Estados Unidos serão os mais prejudicados, pois terão de pagar mais caro pelos produtos importados da China (o preço médio de um simples par de tênis poderá subir de US$ 150 para US$ 206, e 71% dos calçados vendidos nos Estados Unidos são importados da China), estão fazendo o jogo do próprio governo norte-americano, que fica livre de ter de explicar que o problema é também sobre jogo de poder e equilíbrio de forças no plano mundial.

Leia também: A guerra comercial entre Estados Unidos e China (editorial de 20 de setembro de 2018)

Leia também: A guerra comercial de Trump (editorial de 7 de março de 2018)

O fato é que o governo Trump está em uma guerra comercial de curto prazo, mas essa está longe de ser a única razão para as políticas e medidas que vêm sendo adotadas por ambas as partes. O governo chinês vem abandonando o tom amistoso e ameno em relação aos Estados Unidos e dá indicações de que vai endurecer as relações comerciais com seu parceiro mais importante. Analistas e organismos internacionais, entre eles o Banco Mundial, estão dificultando a vida de Trump em relação à elevação das tarifas sobre importações de produtos chineses, todos centrados em argumentos econômicos, sobretudo o de que os orçamentos das famílias norte-americanas sofrerão perdas, pois a lista de produtos chineses é muito grande e tudo ficará mais caro, reduzindo assim a parcela do orçamento doméstico disponível para outras despesas. Trump pode até estar gostando dessa cantilena, que prossegue enquanto seus estrategistas instalados no governo planejam o jogo de longo prazo dos Estados Unidos no tabuleiro mundial. Esse é um embate de gigantes.

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