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| Foto: Joel Saget/AFP

Na quarta-feira, o Facebook anunciou a exclusão de 196 páginas e 87 contas pessoais que, de acordo com a empresa, constituiriam “uma rede coordenada que se ocultava com o uso de contas falsas no Facebook, e escondia das pessoas a natureza e a origem de seu conteúdo com o propósito de gerar divisão e espalhar desinformação”. Essas páginas e contas teriam relação com o Movimento Brasil Livre, um dos movimentos de rua que foram protagonistas dos protestos contra o governo de Dilma Rousseff. Mesmo jornalistas renomados comemoraram a exclusão coletiva, mas as circunstâncias em que ela se deu e os próprios motivos alegados pelo Facebook para esse tipo de ação, no entanto, levantam uma série de questões que deveriam preocupar quem defende a liberdade de expressão.

Esta é a primeira ação em massa de cancelamento de perfis e páginas por iniciativa do próprio Facebook, mas mesmo antes disso outros influenciadores já vinham sofrendo suspensões que poderiam variar de alguns poucos dias a até um mês. Em comum, todos eles eram conservadores ou de posição política mais à direita. Havia tempos o Facebook vinha lidando com denúncias de que seu algoritmo estaria “escondendo” conteúdos dessa linha. Ficou célebre o embate entre o dono da mídia social, Mark Zuckerberg, e o senador norte-americano Ted Cruz, quando aquele teve de depor no Senado dos Estados Unidos. O empresário não conseguiu explicar por que diversas páginas conservadoras norte-americanas tinham sido apagadas ou suspensas, limitando-se a dizer que se empenhava “em garantir que o Facebook seja uma plataforma para todas as ideias” – excluídos, claro, absurdos evidentes como apologia ao terrorismo e outros tipos de crimes.

O que está em jogo não é apenas a liberdade de expressão, mas a possibilidade de uma interferência no processo eleitoral

No caso específico brasileiro, uma preocupação adicional está no fato de o próprio Facebook ter afirmado que a exclusão não era motivada pela divulgação de notícias falsas – o que permite questionar no que consistiria o “espalhar desinformação” alegado pela empresa em seu comunicado. Mais inconsistente ainda é a acusação de “gerar divisão” como motivo para o cancelamento de contas e perfis.

De todas as alegações do Facebook, a mais razoável é a que se refere a perfis e páginas falsos. Curiosamente, está no STF uma ação em que o Facebook recorreu de uma decisão em que foi obrigado, na primeira e segunda instâncias, a apagar um perfil falso de uma mulher, e que estava sendo usado para ofender outras pessoas – a única diferença entre as duas decisões era a de que, enquanto a primeira instância negou pedido para que o Facebook pagasse indenização à mulher cujo perfil tinha sido clonado, a segunda instância determinou o pagamento. Segundo a defesa da empresa, aceitar a exclusão de conteúdos sem decisão judicial que a determine permitiria que empresas “passem a controlar, censurar e restringir a comunicação de milhares de pessoas, em flagrante contrariedade àquilo que estabeleceram a Constituição Federal e o Marco Civil da Internet”. O caso teve repercussão geral reconhecida, mas ainda não foi a julgamento.

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Mas, ainda que se reconheça que apagar contas falsas é apropriado, um direito ou mesmo um dever da empresa, a ação de quarta-feira atingiu também diversos perfis de pessoas de carne e osso – como alguns dos coordenadores do MBL – e páginas que de falsas não têm nada, como a do movimento Brasil 200, ligado ao empresário Flávio Rocha, ex-pré-candidato à Presidência da República. E, como é de praxe nesses casos, o Facebook meramente se limita a informar a exclusão sem explicar quais os motivos concretos que levaram ao cancelamento da conta.

O fato de a exclusão ter afetado contas e perfis de pessoas e movimentos reais; de as alegações para tal não se centrarem nas fake news, mas em conceitos bem mais amplos – e até arbitrários –, como “gerar divisão”; e de atingir apenas um lado do espectro político, quando a esquerda também espalha notícias falsas (basta ver tudo o que já foi dito sobre o juiz Sergio Moro) e “gera divisão”, permite questionar se estamos diante de uma ação bem fundamentada para tornar a rede social um ambiente livre de mentiras, ou se houve um expurgo digital ideológico. Por isso o Ministério Público Federal pediu ao Facebook explicações detalhadas sobre os motivos para cada uma das exclusões, pois o que está em jogo não é apenas a liberdade de expressão, mas a possibilidade de uma interferência de grandes proporções, dado o peso das mídias sociais, no processo eleitoral de 2018.

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