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Profissional da saúde segura um frasco de vacina e uma seringa.
Empresários mineiros compraram e tomaram às escondidas vacinas contra a Covid-19 da Pfizer.| Foto: Oscar del Pozo/AFP

Se tudo correr como previsto, em 20 de janeiro o Brasil se junta – com algum atraso, é verdade – ao grupo de países que estão vacinando seus cidadãos contra a Covid-19, segundo a promessa feita a prefeitos pelo ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. A imunização de boa parte da população é a maneira mais simples e certeira de proteger tanto a saúde dos brasileiros quanto a economia, superando definitivamente aquela dicotomia desnecessária que acabou prevalecendo desde o início da pandemia. Enquanto defensores dos lockdowns mais severos minimizaram a quebradeira, o desemprego e a pobreza adotando o slogan “a economia a gente vê depois”, ignorando que não existe “depois” para quem precisa colocar comida na mesa hoje, muitos dos que reconheciam o efeito catastrófico da pandemia sobre os negócios tenderam a minimizar a doença em si, ignorando que se trata de um vírus altamente contagioso, com potencial para levar ao colapso os sistemas de saúde.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) prometeu para o próximo domingo, dia 17, sua decisão sobre a autorização para uso emergencial de duas vacinas: a da Universidade de Oxford/AstraZeneca, priorizada pelo governo federal, e a Coronavac, incentivada principalmente pelo governo de São Paulo e que foi alvo de disputas políticas entre o governador João Doria e o presidente Jair Bolsonaro. Ambas têm parceiros nacionais em sua produção – respectivamente, a Fiocruz e o Instituto Butantan –, mas a imunização deve começar com doses importadas: nesta sexta-feira, um avião decola rumo à Índia para buscar 2 milhões de doses da vacina de Oxford, e vários lotes da Coronavac já chegaram ao Brasil. A ausência mais notável por enquanto é a da Pfizer/BioNTech, que ainda não solicitou autorização para uso emergencial no Brasil de sua vacina, que vem sendo aplicada em vários outros países – foi ela, por exemplo, que o papa Francisco e o emérito Bento XVI receberam no Vaticano.

A iniciativa privada seria uma parceira valiosa no esforço de vacinação; é preciso usar todos os meios possíveis para proteger a maior parte da população no menor intervalo de tempo

Aos trancos e barrancos, portanto, desenha-se um panorama mais positivo que aquele imaginado por quem assistiu, preocupado, à politização extrema do assunto. O governo federal havia perdido tempo precioso meses atrás, quando ainda não se sabia quais laboratórios venceriam a corrida pela vacina, ao não buscar o maior número possível de opções para garantir prioridade no recebimento e colocar praticamente todos os ovos em uma única cesta, a vacina de Oxford. Felizmente, não apenas a vacina britânica se mostrou bem-sucedida como também o presidente Bolsonaro afirmou que compraria qualquer imunizante que tivesse a aprovação da Anvisa, incluindo aquela que os apoiadores do presidente Bolsonaro chamam pejorativamente de “vachina”.

Mas, se por um lado a estratégia de vacinação é acertada, com prioridade para os grupos de risco, profissionais de saúde e locais afetados mais duramente pela pandemia, como Manaus, por outro o país pode estar prestes a perder a oportunidade de acelerar o processo de imunização dos brasileiros. Empresários paulistas ouviram de representantes de três ministérios que as companhias não poderão adquirir vacinas por conta própria para imunizar seus funcionários, sob o argumento de que a vacinação será responsabilidade do governo. A reunião pode servir de sinalização para o caso das clínicas particulares, que estavam dispostas a adquirir um imunizante indiano, ainda em fase final de testes. O laboratório Bharat Biotech chegou a anunciar acordos tanto com o Sistema Único de Saúde quanto com uma distribuidora privada brasileira.

Diante de uma situação tão drástica quando a pandemia de coronavírus, a resposta mais lógica seria usar todos os meios possíveis para se atingir o objetivo de proteger a maior parte da população no menor intervalo de tempo. Os laboratórios estão privilegiando a venda a governos, que fazem encomendas maiores, e a própria Bharat Biotech afirmou que, no caso brasileiro, a prioridade seria do SUS. Mesmo assim, a iniciativa privada seria uma parceira valiosa no esforço de vacinação, com a única condição de que a rede particular não prejudicasse a aquisição das vacinas pelo governo.

Permitir a vacinação nas clínicas privadas e a aquisição de doses por empresas reduziria a demanda sobre a rede pública e aceleraria a normalização da atividade econômica, já que, pelo planejamento oficial, muitos brasileiros que integram a força de trabalho ficarão no fim da fila. Em um cenário no qual houvesse disponibilidade de vacina para todos, monopolizar a vacinação nas mãos do governo seria, mais uma vez, privilegiar o estatismo e dar força à ideia ultrapassada de que os mais ricos só conseguem prosperar tirando algo dos mais pobres, o que não seria o caso.

O que se espera, agora, é que o país consiga superar todos os gargalos logísticos naturais de uma operação de abrangência nacional e execute seu programa de vacinação sem atrasos. Mas isso de pouco adiantará se a população não aderir em quantidade suficiente para garantir o grau de imunidade coletiva que, segundo os especialistas, impedirá a disseminação do coronavírus. Como já explicamos neste espaço, antes mesmo do aparecimento da Covid-19, a vacinação transcende a dimensão individual, sendo também um pacto coletivo: quando todos os que podem se vacinar o fazem, também protegem aqueles que, por diversos motivos (como idade ou contraindicação médica), não podem se imunizar. Um recente movimento infundado de desconfiança a respeito das vacinas levou ao ressurgimento, no Brasil e em outros países, de doenças que se julgavam vencidas, como o sarampo e a poliomielite. Que não deixemos isso ocorrer também com a Covid-19.

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