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Neste domingo, o papa Francisco encerrou uma viagem que já se conta entre as mais importantes de seu pontificado, a Cuba e aos Estados Unidos. Embora a razão principal da visita tenha sido o Encontro Mundial das Famílias, na Filadélfia, três outros eventos mostram a capacidade e a coragem do pontífice, que deixou uma mensagem terna, mas sólida, a muitos que não necessariamente compartilham das mesmas convicções de Francisco.

Na missa que celebrou em 20 de setembro na Praça da Revolução, no coração da Cuba comunista, diante do ditador Raúl Castro e da presidente argentina, Cristina Kirchner, simpatizante do bolivarianismo, Francisco não se intimidou e, ao falar do serviço ao próximo, deixou muito claro que “o serviço nunca é ideológico, dado que não servimos a ideias, mas a pessoas”. O socialismo, com sua pretensão de criar uma sociedade igualitária com base em uma ideologia que Francisco já tinha condenado como errônea em ocasiões anteriores, só teve como resultado prático comunidades em que a regra é a pobreza generalizada – exceto para a casta dirigente, detentora de todos os privilégios: situação comparável à descrita pelo papa na mesma homilia, de quem se julga “isento da lei comum, da norma geral”, como efetivamente o são os mandatários cubanos, enquanto o povo se vê privado de algumas das liberdades mais básicas.

No Congresso e na ONU, o papa partiu de princípios que todos eram capazes de compreender independentemente de sua religião

De Cuba, Francisco dirigiu-se aos Estados Unidos, onde se tornou o primeiro pontífice a discursar no Congresso norte-americano. Ao contrário do que havia feito na missa em Havana, quando usou fartamente citações bíblicas para criticar a submissão a ideologias, em Washington o papa fez uma única referência bíblico-teológica, ao papel de Moisés como líder político e religioso. No restante de seu discurso, partiu de princípios que todos os congressistas eram capazes de compreender independentemente de sua religião. Se Francisco conhece a obra de John Rawls, não o sabemos; mas fato é que o pontífice seguiu a tese do filósofo norte-americano, segundo a qual as religiões podem participar do debate público, desde que possam expressar suas reivindicações em termos acessíveis a todos os interlocutores.

Diante dos congressistas, Francisco criticou os fundamentalismos e defendeu as liberdades individuais; reforçou a ideia de que a política precisa estar a serviço das pessoas, e não da economia ou das finanças; e evocou a “regra de ouro”, segundo a qual devemos tratar os demais da maneira como gostaríamos de ser tratados, como diretriz para os mais variados dilemas da vida pública, como o da imigração, tema que divide os Estados Unidos. Sabendo que falava a muitos congressistas críticos à agenda ambiental, Francisco reforçou a mensagem de sua encíclica Laudato Si’, que pede uma nova atitude em relação ao meio ambiente. E não deixou de tocar em feridas latejantes: defendeu a liberdade religiosa em um país que discute até onde um comerciante ou funcionário público pode ir diante de situações que violam suas convicções mais profundas; e defendeu a vida dos nascituros, falando da “responsabilidade de proteger e defender a vida humana em todas as fases do seu desenvolvimento”, no momento em que os americanos se dividem entre chocados e anestesiados com a divulgação dos vídeos que mostram integrantes da organização Planned Parenthood negociando partes de bebês abortados.

Falando na Organização das Nações Unidas, a uma plateia ainda mais diversa cultural e religiosamente, Francisco seguiu a mesma linha de buscar uma plataforma comum com seus ouvintes: insistiu com ainda mais ênfase na questão ambiental, mas também citou diversos conflitos ao redor do mundo, mencionando nominalmente Ucrânia, Síria, Iraque, Líbia e Sudão do Sul e pedindo que a comunidade internacional não abandone esses povos à sua própria sorte, empenhando-se por uma solução pacífica. Mas o papa não se limitou aos grandes temas de política internacional. Coerente com o princípio da subsidiariedade e contra um estatismo exagerado, o papa pediu respeito ao “direito primário das famílias a educar e o direito das igrejas e das agregações sociais a apoiar e colaborar com as famílias na educação das suas filhas e dos seus filhos” e, como havia feito no Congresso norte-americano, defendeu a vida dos seres humanos ainda por nascer – tema que já colocou o Vaticano e as Nações Unidas em rota de colisão diversas vezes, dado o apoio de diversos setores da ONU à legalização do aborto pelo mundo.

Em dois anos e meio de pontificado, o papa Francisco já se tornou uma liderança respeitada por católicos e não católicos, dispostos a seguir seus conselhos. Que a plataforma divulgada por Francisco nesta viagem seja bem recebida e colocada em prática por seus interlocutores.

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