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 | Evaristo Sá/AFP
| Foto: Evaristo Sá/AFP

O roteiro já é batido – foi seguido à risca nos governos de Dilma Rousseff e no início do governo interino de Michel Temer: certo indivíduo é alçado a um cargo de ministro, e começam a surgir indícios fortes de irregularidades (Dilma diria “malfeitos”) na sua conduta. Não se trata de um boato de menor importância aqui ou ali; são indícios consistentes de atitudes nada condizentes com a vida pública. Mesmo assim, o chefe do Executivo resiste e mantém o suspeito no gabinete, até que a situação se torna insustentável e o ministro, altruisticamente, toma a iniciativa de pedir para sair.

O ator mais recente a encenar essa peça foi Geddel Vieira Lima, agora ex-ministro da Secretaria de Governo. Articulador político habilidoso e prestigiado por Michel Temer, Geddel virou alvo das denúncias de Marcelo Calero, que pediu demissão do Ministério da Cultura por ter perdido uma queda de braço interna, ao recusar-se a intervir para que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) revisse o embargo à construção de um prédio em Salvador (BA) no qual Geddel havia comprado, na planta, um apartamento em andar alto.

Temer finalmente perceberá que não pode se cercar de gente como Geddel?

De imediato, Geddel se viu no centro do furacão por causa da velha prática de confundir o público com o privado, ao tentar usar sua influência para conseguir um favor estritamente pessoal. Nem isso serviu para que Temer o demitisse. A teimosia cobrou seu preço, pois o escândalo arrastou consigo o presidente da República: Calero disse à Polícia Federal que Temer também o pressionou para que se curvasse ao pedido de Geddel – segundo o porta-voz da Presidência da República, o chefe do Executivo apenas recomendou a Calero que encaminhasse o caso à Advocacia-Geral da União para que dirimisse a questão, pois havia divergência entre o Iphan estadual e o Iphan nacional. O ex-ministro da Cultura ainda afirmou que gravou essa e outras conversas, embora os áudios ainda não tenham vindo à tona. Na sexta-feira, Geddel pediu sua demissão por e-mail, mas o caso já ganhou tamanha dimensão que sua saída do ministério não será suficiente para abafar a situação.

Líderes partidários já haviam peregrinado ao Planalto para demonstrar apoio a Geddel, e o senador tucano Aécio Neves criticou Calero por ter registrado sua reunião com o presidente da República, fato que classificou como “extremamente grave”. Acontece que, se comprovadas as acusações de Calero, Temer se vê em situação complicada, pois, no mínimo, fechou os olhos ao fato de Geddel colocar o peso do cargo para conseguir um favor pessoal; na pior das hipóteses, usou ele mesmo sua influência em benefício do ministro. São condutas definidas como crimes de responsabilidade na lei do impeachment (1.079/1950): “servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua”. Isso para não falar dos crimes de concussão e corrupção passiva, previstos no Código Penal.

A visão patrimonialista – a noção de que um político pode usar o cargo para conseguir favores para si, para a família e para os amigos – infelizmente é prevalente no Brasil, e foi detectada nos trabalhos de sociólogos como Roberto DaMatta e Alberto Carlos Almeida. Se há algo de positivo nessa crise, é o fato de o comportamento de Geddel Vieira Lima ter recebido ampla divulgação e, melhor ainda, condenação. Negativa, obviamente, foi a cegueira de Michel Temer à postura de Geddel e à reação da sociedade. Será que o presidente finalmente perceberá que não pode se cercar de gente assim? Não deixa de ser curioso que um político conhecido por sua longevidade e capacidade de adaptação não tenha acordado para essa realidade tão evidente antes; agora, é a sua permanência no cargo que começa a ser questionada.

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