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 | Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Nesta quinta-feira (11), durante a solenidade de 100 dias de governo, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e sua equipe enviaram ao Congresso Nacional um Projeto de Lei (PL) para regulamentar o ensino domiciliar – também conhecido como homeschooling –, atendendo à necessidade que se abriu a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro do ano passado. Na ocasião, reconhecendo a liberdade de ensino e educação como regra geral, o Supremo decidiu que o ensino domiciliar, embora não contrarie a Constituição, precisa de regulação legal para ser praticado.

Mesmo não estando em situação de estrita ilegalidade em razão da decisão, fato é que os pais que escolhem educar seus filhos fora do sistema escolar regular continuam à mercê de setores mais radicais do Ministério Público que são contrários ao homeschooling e que já processavam as famílias que optam pelo modelo – o que justificaria a urgência da edição de uma Medida Provisória (MP), que passa a ter validade assim que assinada. De fato, essa era a primeira opção da maioria dos membros do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH) e das famílias praticantes, mas ela acabou preterida pela Casa Civil. 

A situação de insegurança jurídica das famílias foi ponderada pelo governo, mas prevaleceu a cautela: uma MP teria menos chance de ser aprovada no Congresso neste momento, sem uma base parlamentar estável. E, uma vez que a MP perdesse sua eficácia pelo decurso de seu prazo, o tema teria muito mais dificuldade de ser aprovado pelos parlamentares, o que poderia deixar as famílias desamparadas por tempo indefinido. Seja como for, é a primeira vez que um projeto de lei sobre ensino domiciliar é apresentado ao Congresso pelo próprio governo, o que dá mais força à sua tramitação, e a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, está empenhada em garantir a urgência na aprovação. 

As famílias que optam pelo homeschooling criaram verdadeiras redes de apoio e de trocas de experiências

Já em relação ao conteúdo do texto apresentado, prevaleceu a proposta moderada que estabeleceu requisitos às famílias e salvaguardas às crianças. Se a regra geral da Constituição é a liberdade dos pais em educar seus filhos, ainda mais diante da má qualidade da educação no país e da realidade da imposição às crianças de padrões morais que agridem as convicções das famílias, não é menos verdade que a situação de vulnerabilidade das crianças torna perfeitamente razoável a exigência de uma regulamentação que leve em conta os melhores interesses dessas crianças, o que parece atendido pelo projeto apresentado nesta quinta-feira. 

Pela proposta do governo, as crianças terão de ser cadastradas em uma plataforma virtual gerenciada pelo Ministério da Educação (MEC) e serão submetidas a avaliações com periodicidade anual, não podendo reprovar em dois anos consecutivos ou em três anos não consecutivos na avaliação anual e na prova de recuperação, também prevista no projeto. É verdade que as famílias que optam pelo homeschooling criaram verdadeiras redes de apoio e de trocas de experiências, e evidências internacionais apontam que as crianças educadas fora da escola costumam ter bom desempenho, mas as exigências fazem sentido para afastar as hipóteses em que pais ou responsáveis legais possam querer se aproveitar da previsão do ensino domiciliar para simplesmente tirar seus filhos da escola. 

Leia tambémO homeschooling e o Supremo Tribunal Federal (editorial de 16 de setembro de 2018)

Leia também: Lugar de criança e lugar do Estado (artigo de Rick Dias, publicado em 29 de agosto de 2018)

Da mesma maneira, o projeto prevê que não poderão optar pelo homeschooling os responsáveis legais que estejam cumprindo penas por crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por tráfico de drogas, por delitos previstos na Lei Maria da Penha, por crimes contra a dignidade sexual, como o estupro, e por crimes hediondos, medida razoável de proteção às crianças. Também caberá aos pais “assegurar a convivência familiar e comunitária”, evitando o isolamento dos jovens, uma preocupação constante de críticos do ensino domiciliar. 

Mesmo que a opção por apresentar um projeto de lei não tenha agradado a todos os interessados na regulamentação do ensino domiciliar, e embora famílias, técnicos e membros do governo possam divergir sobre pontos específicos da regulamentação, o texto apresentado representa um passo inédito em direção ao respeito pleno pela liberdade de educação e pela autonomia das famílias. Agora, cabe ao governo e aos parlamentares de um Congresso renovado pelos ventos da liberdade discutirem o projeto com responsabilidade, aparando eventuais arestas, mas com celeridade, oferecendo a segurança jurídica que as famílias que optam pelo ensino domiciliar demandam há tantos anos. 

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