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| Foto: Dorivan Marinho/Fotoarena

Em pronunciamentos recentes, o atual presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, tem se mostrado disposto a conter o ativismo judicial, em que o Judiciário interfere em competências do Executivo e do Legislativo. O discurso de Toffoli terá seu primeiro grande teste nesta quarta-feira, quando o STF se reúne para julgar duas ações que pedem a criminalização da homofobia. Uma delas, o Mandado de Injunção 4733, de autoria da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), foi protocolada em 2012 e tem como relator o ministro Edson Fachin; a outra, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), é de 2013, de autoria do Partido Popular Socialista (PPS), e é relatada por Celso de Mello.

Sem entrar no mérito da correção das estatísticas a esse respeito, os casos de agressão e até mesmo homicídio motivados pela orientação sexual da vítima são suficientes para que o poder público tome providências a respeito. Parte das ações motivadas pelo preconceito e que são dirigidas aos indivíduos LGBT já é contemplada no Código Penal, mas não seria nada descabido que a legislação fosse aprimorada para a inclusão de agravantes. Alguém haveria de argumentar que a morte de um homossexual por ódio à orientação sexual da vítima já tem a agravante do “motivo torpe”, mas nada impede que sejam incluídos, no artigo 121 do Código Penal, incisos que explicitem o caso de assassinato motivado pela condição da vítima homossexual, transexual ou travesti. O mesmo raciocínio valeria para outros crimes, como a lesão corporal (artigo 129) ou a injúria (artigo 140), e também não se poderia descartar a criminalização de outros atos de preconceito motivados pela orientação sexual da vítima, mas que não se encontram hoje previstos na lei penal.

Parte do movimento LGBT, no entanto, gostaria de ir muito além de condenar quem agride ou mata homossexuais. Há a ambição, às vezes velada, às vezes explícita, de criminalizar até mesmo a crítica ao comportamento homossexual, tornando realidade a “crimideia” imaginada na distopia de George Orwell e concretizando um ataque fatal contra a liberdade de expressão no Brasil, algo sem precedentes nos períodos de normalidade democrática.

Há a ambição de criminalizar até mesmo a crítica ao comportamento homossexual

Que ninguém pode ser humilhado pelas escolhas que faz é de uma obviedade gritante, mas isso não significa que essas escolhas e a defesa que se faz delas devam ser juridicamente blindadas de qualquer crítica, embora muitos estejam dispostos a confundir os dois conceitos, criminalizando todo discurso que desagrade certa militância. Toda pessoa tem o direito de criticar quaisquer comportamentos que considera errados, elogiar e defender os que considera corretos, e debater a forma como outras pessoas enxergam esses mesmos comportamentos, sempre dentro de um clima de civilidade. Isso está na essência da liberdade de expressão, e proibir a mera crítica ao comportamento homossexual, sujeitando até mesmo à prisão quem a manifeste, seria uma violência grave contra essa liberdade.

Com tudo isso em vista, é preciso dar o passo seguinte: qualquer que seja a decisão a respeito de uma eventual criminalização de comportamentos preconceituosos dirigidos à população LGBT, ela tem de ser tomada pelo Poder Legislativo. O Judiciário não tem o poder de criar legislação penal e, pelo menos no caso da ADO proposta pelo PPS, a justificativa para se solicitar a ação do STF é claramente equivocada, pois o Congresso não tem se omitido em relação a este tema.

A Câmara dos Deputados aprovou, em 2006, o PL 5.003/2001, que foi ao Senado e se tornou o PLC 122/2006. Seu conteúdo refletia justamente as ameaças à liberdade de expressão que acabamos de mencionar; a relatora Marta Suplicy chegou a incluir algumas salvaguardas, mas que protegiam apenas instituições religiosas, e o projeto felizmente acabou arquivado em 2015. Outros dois projetos sobre o tema no Congresso são o 7.582/2014, na Câmara, arquivado em 2019 devido à mudança de legislatura, mas que ainda pode voltar a tramitar; e o PLS 134/2018, no Senado, que está na Comissão de Direitos Humanos.

Nossas convicções: Liberdade de expressão

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Goste-se ou não da maneira como o Congresso vem conduzindo o debate, é evidente que o Legislativo está cumprindo seu papel, e a pecha de “omisso” não pode ser lançada sobre deputados e senadores. O recurso ao STF – especialmente aquele oriundo de um partido político, protagonista da atividade legislativa – deixa transparecer a ideia de que, se o resultado do debate em seu lócus natural não é aquele desejado, pode-se buscar um “desvio institucional” onde as teses encontrem ouvidos mais receptivos.

A única decisão que o Supremo pode tomar e que respeita a independência entre poderes é o reconhecimento de que não cabe à suprema corte legislar em matéria penal, deixando que o Congresso Nacional resolva o tema como achar mais conveniente, por meio da discussão entre os representantes eleitos pelo povo. Qualquer outro desfecho no julgamento desta quarta-feira configuraria, na menos pior das hipóteses, uma invasão das competências do Legislativo, como no pedido para que o STF dê um prazo para o Congresso aprovar uma lei contra a homofobia; na pior delas, uma violação do princípio da tipicidade penal e uma agressão explícita a liberdades democráticas, pois as ações pedem a inclusão da homofobia na Lei 7.716/89, que hoje pune a discriminação motivada por cor da pele, etnia ou nacionalidade. Além da absurda confusão conceitual que adviria dessa inclusão, misturando questões comportamentais com características ontológicas do indivíduo, como a cor da pele, tal interpretação ameaçaria a liberdade de expressão, a liberdade religiosa e impediria a objeção de consciência.

O que está em jogo nesta quarta-feira, portanto, não é apenas a intenção de Toffoli de evitar que o Supremo se torne protagonista da vida nacional de uma maneira perigosa, invadindo a seara dos outros poderes. Trata-se, também, de impedir que a militância ideologia atropele liberdades e direitos básicos dos brasileiros. A obrigação de tratar a população LGBT com o respeito derivado da dignidade intrínseca de cada ser humano não pode servir de pretexto para impor uma nova moralidade e perseguir posturas e críticas legítimas.

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