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Imagem aérea do Congresso Nacional.
Congresso e governo decidiram não mexer com os salários dos servidores públicos durante a pandemia da Covid-19.| Foto: Pillar Pedreira/Agência Senado

A comunidade científica mundial se lançou em uma corrida para encontrar uma vacina contra o novo coronavírus, que causa a Covid-19, mas mesmo as pesquisas mais adiantadas ainda exigirão pelo menos alguns meses para chegar à população. Por enquanto, a única maneira de se tornar imune ao vírus é ser infectado por ele e se recuperar da doença. Já para alguns grupos de brasileiros, imunizar-se contra a outra consequência maléfica do coronavírus, a econômica, tem sido muito mais fácil. Enquanto empreendedores e trabalhadores da iniciativa privada pagarão, na melhor das hipóteses, com aumento no endividamento e redução de salário, e na pior das hipóteses com quebradeira e desemprego, outros garantem que não verão um centavo a menos enquanto durar a pandemia.

A paralisação súbita e abrangente da atividade econômica significará uma redução drástica na arrecadação em todas as esferas de governo. Mas, se empresários com caixa reduzido ganharam a possibilidade de negociar com sua equipe reduções de salário e jornada, esse risco não deve atingir aqueles que têm o Estado como empregador, pois não há interessados suficientes para comprar essa briga nem no Poder Executivo, nem no Poder Legislativo. A Gazeta do Povo apurou que o Ministério da Economia até havia preparado uma PEC permitindo redução em até 25% em vencimentos e jornada de trabalho de servidores do Executivo, e que o Congresso considerava importante incluir também o funcionalismo do Legislativo e do Judiciário. As resistências, no entanto, levaram o governo a recuar e o ministro Paulo Guedes chegou a alegar que reduzir salários equivaleria a retirar poder de compra dos servidores – ironicamente, o mesmo fenômeno que a equipe econômica considerou aceitável para os trabalhadores da iniciativa privada.

Não é justo que apenas a iniciativa privada, seus trabalhadores e empreendedores sejam chamados ao sacrifício econômico para que o país possa vencer o coronavírus

Mesmo assim, alguns poucos parlamentares e partidos tentam fazer com que o funcionalismo também ofereça sua cota de contribuição, aliviando a folha do governo e permitindo que mais dinheiro seja investido na saúde. Os projetos, no entanto, não caminham por vontade dos presidentes das duas casas do Congresso, convenientemente escorados no fato de não contarem com o apoio do Poder Executivo – algo que não parece ser empecilho em outros casos, como o da reforma tributária. O mais perto que se chegou de conseguir incluir o funcionalismo no esforço financeiro contra o coronavírus foram emendas do Partido Novo à PEC do “Orçamento de Guerra”. A proposta era sensata: a redução dependeria do salário do servidor, poupando aqueles com vencimentos menores, e quem estivesse diretamente envolvido no combate à pandemia não seria atingido. Mesmo assim, uma grande coalizão de direita, esquerda e centro deu respaldo ao relator da PEC, Hugo Motta (Republicanos-PB), para que ele rejeitasse as propostas.

É evidente que a demanda por serviços públicos não cai completamente com o isolamento social, e não são apenas aqueles que estão na “linha de frente”, como profissionais da saúde e da segurança pública, que seguem trabalhando normalmente; órgãos como o INSS e aqueles que gerenciam os benefícios sociais, por exemplo, precisam seguir atendendo a população, ainda que de forma remota quando for possível. No entanto, o mesmo não ocorre com várias outras áreas do poder público, em todas as esferas, e autarquias em que houve, sim, redução na produtividade – e mesmo naquelas cujo funcionamento é essencial, também haverá setores em que a demanda por trabalho está temporariamente reduzida. Que esses servidores não tenham uma redução salarial compatível com a diminuição de sua carga horária é um privilégio imoral, bancado pelos recursos justamente daqueles que estão sofrendo na pele esses cortes porque a única alternativa é o desemprego. Esta desigualdade no tratamento entre o funcionalismo e os assalariados da iniciativa privada fica ainda mais evidente quando se recorda que a média salarial em várias carreiras do funcionalismo é bem maior que a de funções equivalentes na iniciativa privada.

Não é justo que apenas a iniciativa privada, seus trabalhadores e empreendedores sejam chamados ao sacrifício econômico para que o país possa vencer o surto da Covid-19. O funcionalismo já está a salvo do medo que atinge hoje dez entre dez assalariados do setor privado e autônomos, pois o seu emprego está garantido, aconteça o que acontecer. Quando, por medo de pressões corporativistas, Executivo e Legislativo permitem que um grupo continue recebendo o mesmo salário para cumprir uma carga horária menor, ou até mesmo carga horária nenhuma, dependendo da função exercida, comete uma injustiça com todos os demais brasileiros – incluindo aquela parte do funcionalismo que continua trabalhando incansavelmente para atenuar os efeitos sanitários e econômicos do coronavírus.

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