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| Foto: NELSON ALMEIDA/AFP

O trágico incêndio que acabou no desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, de propriedade da União, no centro de São Paulo, desocupado desde 2001 e que já foi sede da Polícia Federal, descortina mais uma vez os problemas da habitação urbana, da população em situação de rua e de movimentos de habitação que fazem de pessoas desesperadas massa de manobra político-eleitoral. Felizmente, apenas uma pessoa morreu no desastre e os desabrigados já encontraram um primeiro conforto na caridade de vizinhos, que se organizaram rapidamente para prestar os primeiros auxílios.

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Segundo a prefeitura do município, cerca de 150 famílias com 400 pessoas que moravam irregularmente no local, um quarto delas estrangeiras, já haviam sido cadastradas pela Secretaria de Habitação. O Ministério Público decidiu reabrir o inquérito que investigava as condições de segurança do prédio, arquivado em março deste ano sem conclusões. Para piorar o quadro, há notícias de que dois líderes do Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM) recolhiam entre R$ 250 e R$ 400 mensais de aluguel dos moradores. A prática é comum em movimentos que invadem imóveis e a destinação do dinheiro, pouco transparente.

De fato, a precariedade da habitação nos grandes centros urbanos brasileiros não é novidade. Mais de 400 mil domicílios da capital paulista estão em favelas e 385 mil, em loteamentos irregulares. Quase 30 mil famílias recebem auxílio-aluguel da prefeitura de São Paulo, mas os altos valores na região central da cidade, que concentra as melhores ofertas de emprego, serviços e lazer, engole a renda das famílias mais pobres e as empurra para as garras de “lideranças sociais” nem sempre bem intencionadas. 

Mas há um problema urbano ainda mais urgente a ser resolvido: as pessoas em situação de rua

Tampouco se desconhece que o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT) foi leniente ao extremo com invasões de propriedade durante sua gestão, entre 2013 e 2016. Não é razoável que líderes de “movimentos sociais” que agem ao arrepio da lei e seguem a trilha aberta pelo MST há tantas décadas sejam louvados como representantes da vontade popular e adulados pelas autoridades públicas.

Seja como for, o inchaço urbano é uma realidade que se repete em outras grandes cidades brasileiras e do mundo todo, que passou por um intenso processo de urbanização durante o século XX. De acordo com o último censo do IBGE, de 2010, 84% dos brasileiros vivem em cidades, um número que se aproximaria de 90%, segundo algumas projeções. Desde 2007, pela primeira vez na história da humanidade, a maioria da população do planeta vive em aglomerados urbanos. Esse é um cenário por ora irreversível e que exige soluções criativas em planejamento urbano e descentralização da malha metropolitana.

Mas há um problema urbano ainda mais urgente a ser resolvido, que são as pessoas em situação de rua, muitas delas em uma condição de miserabilidade da qual dificilmente poderão sair sozinhas. Em São Paulo, o último levantamento oficial da prefeitura, divulgado em abril de 2016, apontou 15.095 pessoas morando nas ruas, a maioria na região central. Os últimos números nacionais sobre o tema, de 2008, identificaram 31 mil pessoas nessa condição. Uma pesquisa do Ipea, extrapolando dados demográficos de 2015, estima hoje essa cifra em cerca de 100 mil. A falta de dados consistentes dificulta diagnósticos e soluções. 

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De todo modo, estudiosos e gestores que lidam com essas pessoas reconhecem quatro dificuldades prementes para a solução do problema: desemprego, drogas, problemas de saúde e violência doméstica, tudo isso agravado pela falta de uma rede social de apoio. Daí a importância, antes de tudo, de retomar o crescimento econômico e reduzir o desemprego, além de investir no combate ao tráfico de drogas e em uma política de saúde e serviço social específica para esse quadrante social. 

Por enquanto, a massa de desassistidos das grandes cidades brasileiras tem vivido entre a caridade de alguns e o oportunismo de outros. Não é possível tolerar tamanho desrespeito à dignidade humana. É preciso encontrar uma saída sustentável, que aposte no resgate urgente daqueles em situação de miserabilidade, por meio de políticas públicas eficientes, e na paulatina construção de autonomia por meio do resgate do crescimento econômico, do fortalecimento do tecido social e de uma organização mais racional das cidades.

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