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 | Matt McClain/The Washington Post
| Foto: Matt McClain/The Washington Post

O desaparecimento – já tratado como assassinato – do jornalista saudita Jamal Khashoggi, um crítico do governo de seu país, é um indicador preocupante das ameaças à liberdade de imprensa em uma região turbulenta do globo. Khashoggi, que escrevia para o jornal norte-americano Washington Post e estava exilado nos Estados Unidos desde 2017, foi visto pela última vez em 2 de outubro, entrando no consulado saudita em Istambul, na Turquia, aonde foi para buscar documentos necessários para seu casamento com sua noiva, que é turca.

As informações coletadas até o momento ainda não são totalmente conclusivas, mas dão indícios de que Khashoggi teria sido assassinado. Entre os elementos coletados estaria uma gravação feita pelo Apple Watch do jornalista. Fontes anônimas da polícia turca dizem que Khashoggi foi torturado e morto dentro do consulado, por um grupo de até 15 pessoas, e o crime teria ocorrido na presença do cônsul geral da Arábia Saudita na Turquia. Depois disso, o corpo teria sido desmembrado. Segundo o canal de televisão CNN, o governo saudita estaria considerando admitir a morte, mas não como um assassinato premetidado, e sim como o resultado de um interrogatório que “acabou mal” – uma alegação que não retira nada da gravidade do caso, já que nenhuma simples tomada de depoimento acaba em morte com ocultação de corpo.

A liberdade de imprensa sofre com ameaças em todo o mundo, mas alguns dos regimes mais repressores estão no Oriente Médio

Arábia Saudita e Turquia estabeleceram uma investigação conjunta, mas ainda há muitas dúvidas a respeito do quão fundo o regime de Recep Tayyip Erdogan pretende ir para responsabilizar o governo saudita pela morte. A primeira reação do governo turco, por meio de um assessor de Erdogan, havia sido a de reconhecer que Khashoggi tinha sido morto dentro do consulado, mas que o Estado saudita não podia ser culpado. O presidente norte-americano, Donald Trump, se intrometeu no caso adotando discurso semelhante, dizendo que o crime seria obra de “matadores de aluguel” que agiram sem conhecimento do príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman, um dos alvos mais frequentes das críticas de Khashoggi.

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No caso turco, não se trata apenas de ligações comerciais com a Arábia Saudita, mas também pelo fato de Erdogan também não ter muitos escrúpulos quando o assunto é liberdade de imprensa. Desde o golpe de Estado frustrado de julho de 2016, o regime turco tem perseguido jornais e jornalistas independentes, ordenando o fechamento de veículos de comunicação e a prisão de profissionais. A Turquia ocupa o 157.º lugar no ranking de liberdade de imprensa da ONG Repórteres Sem Fronteiras, que define o país como a “maior prisão do mundo para os profissionais dos meios de comunicação”. A Arábia Saudita está em posição ainda pior, com uma 169.ª posição – na verdade, todos os países da região são classificados como de situação “difícil” ou “grave”, com exceção de Israel e do Líbano, considerados de situação “sensível”.

A liberdade de imprensa sofre com ameaças em todo o mundo – até mesmo em nações onde o jornalismo é livre, como os Estados Unidos, onde Trump se esforça ao máximo para desqualificar a imprensa como um todo –, mas alguns dos regimes mais repressores estão no Oriente Médio. O caso de Jamal Khashoggi ganhou repercussão mundial, mas detenções e punições arbitrárias estão na ordem do dia em quase todos os países, sem gerar tanta indignação. Isso não ocorre apenas em países que vivem em guerra, tornando o trabalho jornalístico mais perigoso, como a Síria e o Iêmen, mas também naqueles que gozam de estabilidade interna, como a Arábia Saudita.

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