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No domingo, a presidente e candidata à reeleição Dilma Rousseff resolveu "esclarecer" uma declaração dada na sexta-feira. Naquela ocasião, irritada com o fato de a Procuradoria-Geral da República ter negado à Presidência acesso ao conteúdo da delação premiada do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, Dilma disse: "Eu não tenho por que dizer que tem alguém envolvido porque eu não reconheço na revista Veja nem em nenhum órgão de imprensa o status que têm a Polícia Federal, o Ministério Público e o Supremo [Tribunal Federal]. Não é função da imprensa fazer investigação; a função é divulgar informações", afirmou a presidente, citando especialmente a revista que tem publicado as denúncias mais contundentes sobre a situação da Petrobras.

Dois dias depois, Dilma voltou ao tema, alegando que "fizeram uma confusão" e citando o que talvez seja o mais famoso episódio de investigação da história do jornalismo. "O jornalismo investigativo pode até fornecer elementos. Vamos lembrar de um caso clássico, o Garganta Profunda, do caso Watergate, ofereceu elementos, mas quem fez a prova foi a investigação oficial. A imprensa investiga, investiga para informar, investiga até para fornecer prova, não é nem prova, o correto é chamar de indício", afirmou.

Efetivamente, a imprensa não é parte de um processo formal de investigação. Esse é um trabalho que cabe aos órgãos de Estado, inclusive aqueles citados pela presidente na resposta que deu início à polêmica. Mas Dilma desmerece o jornalismo investigativo com suas afirmações – mesmo com a retificação deste domingo, ao dizer que "o jornalismo investigativo pode até fornecer elementos", como se a imprensa fosse mero acessório do aparato estatal de investigação. Dilma ignora, ou finge ignorar, que muitos dos grandes escândalos de corrupção só chegaram ao público e passaram a ser investigados pelo Estado graças ao trabalho dos jornalistas. Foram eles que trouxeram à tona – seja com entrevistas de personagens-chave, seja com um exaustivo trabalho de pesquisa em documentos oficiais – "malfeitos" (para usar uma expressão cara à presidente) que só mereceram uma investigação oficial depois que já tinham sido divulgados pela imprensa. Certamente os figurões do PT tinham uma opinião diferente sobre a Veja em maio de 1992, quando a revista publicou a entrevista com Pedro Collor, irmão do então presidente Fernando Collor de Mello (hoje aliado do petismo), em que se detalhava o esquema de corrupção operado por Paulo César Farias. Só no mês seguinte foi estabelecida a CPI cujo trabalho culminou no impeachment do presidente.

O que fica nas entrelinhas do discurso da presidente segue um padrão que já temos observado em outras ocasiões. Dilma pode "não reconhecer" na imprensa o mesmo status dos órgãos estatais de investigação, mas isso não significa que o que sai na imprensa não mereça crédito enquanto não for corroborado por um inquérito formal. Essa desqualificação do trabalho jornalístico vem bem a calhar agora para o governo, pois estamos em época eleitoral e é a administração de Dilma que está no centro das atenções. Nesses momentos, a Dilma do discurso de posse em 2011, que preferia "o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras", dá lugar à Dilma de 2013, para quem se pode "fazer o diabo quando é hora de eleição", o que inclui, claro, desmoralizar a imprensa que não lhe faz reverência. Basta recordar o caso das alterações nos perfis dos jornalistas Míriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg (ambos críticos ao governo) na Wikipedia. O Planalto chegou a insinuar que as alterações podiam ser obra de qualquer um que tivesse tido acesso à rede sem fio do palácio, mas, no fim, ficou demonstrado que os perfis tinham sido alterados por um funcionário de carreira do Ministério da Fazenda que estava lotado na Secretaria de Relações Institucionais.

Retirar força ou desmoralizar o jornalismo investigativo só interessa aos governos que têm algo a esconder, que realmente gostariam que a imprensa se limitasse a "divulgar informações" positivas, desejo alimentado por inúmeros mandatários, independentemente de esfera de governo ou coloração partidária. Mas a investigação é parte integral da missão de bem informar; a dimensão dos escândalos que só chegaram ao conhecimento do público graças ao esforço dos jornalistas comprova que é a sociedade quem perde quando se enfraquece essa dimensão do jornalismo.

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