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O Congresso Nacional (à esquerda) e o Palácio do Planalto (ao fundo) vistos a partir do Supremo Tribunal Federal.
O Congresso Nacional (à esquerda) e o Palácio do Planalto (ao fundo) vistos a partir do Supremo Tribunal Federal.| Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Na quinta-feira passada, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, negou um pedido da Rede Sustentabilidade para que o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, fosse afastado do cargo por “diversos equívocos, incluídos os de logística, na condução das atividades ministeriais durante a pandemia do coronavírus”. A argumentação do magistrado foi bastante simples, explicada em meros dois parágrafos: “anoto que compete privativamente ao Presidente da República, nos termos do artigo 84, I, do texto constitucional ‘nomear e exonerar os ministros de Estado’, falecendo autoridade a esta Suprema Corte para fazê-lo. Ainda que, apenas para argumentar, o requerente pretendesse protocolar um pedido de impeachment do titular daquela pasta, mesmo assim teria de endereçá-lo ao Procurador-Geral da República, e não diretamente ao Supremo Tribunal Federal”.

O pedido da Rede e a resposta de Lewandowski são um exemplo acabado de como a judicialização contaminou completamente a política brasileira, a ponto de o ministro Luiz Fux ter se queixado dessa prática em seu discurso de posse na presidência do Supremo. Na ocasião, ele afirmou que “assistimos, cotidianamente, o Poder Judiciário ser instado a decidir questões para as quais não dispõe de capacidade institucional” e que “alguns grupos de poder que não desejam arcar com as consequências de suas próprias decisões acabam por permitir a transferência voluntária e prematura de conflitos de natureza política para o Poder Judiciário, instando os juízes a plasmarem provimentos judiciais sobre temas que demandam debate em outras arenas”.

A lei dá aos partidos o direito de querer resolver suas mágoas no Judiciário. Se o fazem com tanta frequência, é porque o Judiciário tem o mau costume de atendê-los

O caso da Rede Sustentabilidade, autora do pedido de afastamento de Pazuello, é emblemático: a legenda tem representação mínima no Congresso, mas é autora de um sem-número de ações no Supremo. A prática da judicialização, no entanto, é generalizada. Qualquer partido que não consiga implantar suas plataformas por meio do voto – seja o popular, seja o parlamentar – busca o Judiciário na esperança de que ele reverta essas derrotas, seja interferindo no funcionamento de outros poderes, seja até mesmo reescrevendo as leis que aqueles partidos não têm representatividade para alterar pela via ordinária, a do debate no Congresso Nacional. Tem sido assim tanto em temas de grande importância, como a liberdade econômica, o direito à vida e outras pautas de comportamento, como em questões corriqueiras da administração pública.

E por que é assim? Seria injusto colocar toda a culpa nos partidos políticos. Sim, é verdade que, ao buscar o Judiciário dessa forma, eles recorrem a um atalho, negando a dinâmica democrática da administração pública e da elaboração de leis. Mas este é o chamado jus sperneandi, resumido na popular expressão “o choro é livre”. A lei, concorde-se ou não com ela, dá aos partidos o direito de querer resolver suas mágoas no Judiciário. Se o fazem com tanta frequência, é porque o Judiciário tem o mau costume de atendê-los.

Agora Lewandowski nega um pedido para afastar Pazuello, reafirmando a competência privativa do presidente da República para nomear e demitir ministros, mas em 2018 sua colega Cármen Lúcia impediu a posse de Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho. Nos assuntos de costumes, os partidos de esquerda sabem que contam com o apoio de vários ministros que se enxergam como “iluministas” e estão dispostos a rasgar a lei e reescrevê-la de acordo com suas convicções. Durante a pandemia, o próprio Lewandowski tem sido pródigo em distribuir ordens ao Poder Executivo, por mais que, na mesma decisão em que negou o afastamento de Pazuello, tenha afirmado que “a mera solicitação de informações às autoridades sanitárias, ou a exortação para que executem certas políticas públicas, podem ser levadas a efeito sem a intervenção do Judiciário, por meio da competência atribuída à Câmara dos Deputados e ao Senado, ou às suas comissões”.

Em outras palavras, se há judicialização excessiva, é porque o “não” da parte do Judiciário é exceção, mais que regra. No discurso de posse, Fux ainda afirmou que “tanto quanto possível, os poderes Legislativo e Executivo devem resolver interna corporis seus próprios conflitos e arcar com as consequências políticas de suas próprias decisões. Imbuído dessa premissa, conclamo os agentes políticos e os atores do sistema de Justiça aqui presentes para darmos um basta na judicialização vulgar e epidêmica de temas e conflitos em que a decisão política deva reinar”, acrescentando que “o Judiciário deve atuar movido pela virtude passiva, devolvendo à arena política e administrativa os temas que não lhe competem à luz da Constituição”. É um conselho que tem de ser seguido por todos os juízes, desde aqueles de primeira instância até os ministros do Supremo. Ao fazê-lo, podem não acabar com a judicialização – afinal, sempre haverá quem continue esperneando –, mas deixarão de estimular esse comportamento que prejudica a democracia e distorce o sentido da representação política.

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