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Desenrola-se em Ponta Grossa mais um desses frequentes episódios de "luta pela terra", expressão que pode evocar a visão romântica e heroica que coroam as conquistas justas e legais. Entretanto, no caso específico, a luta pela terra assume seu caráter mais literal e não necessariamente amparado, como seria desejável e necessário, nos princípios que embasam o estado democrático de direito: homens armados, de um lado militantes de movimento sem-terra, de outro seguranças (aos quais se costuma chamar também de jagunços) confrontam-se numa refrega para saber quem pode mais para assomar o domínio do imóvel.

Trata-se de uma fazenda que um tenente-coronel reformado da Polícia Militar, Valdir Copetti Neves, diz ser de sua legítima propriedade. Já os sem-terra, representantes do MST, contestam tal legitimidade, alegando ter sido ela fruto de fraude documental e que, na verdade, faria parte do patrimônio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Em sendo ilegítima a propriedade, acham-se os sem-terra no direito de ocupá-la e dela apossar-se antes mesmo de organismos republicanos de resolução de conflito se pronunciem em caráter final e irrecorrível.

O resultado dessa refrega, desde os dias da semana passada em que se iniciou o processo de invasão, já é de pelo menos oito feridos. Fun­­cio­­nários da fazenda sentem-se amedrontados. A Justiça já determinou a reintegração de posse ao suposto titular da área, mas a Polícia Militar se recusa a acompanhar o oficial de Justiça encarregado de transmitir aos sem-terra a ordem de desocupação. No máximo, a PM se mantém no local para tentar deixar os grupos a considerável distância um do outro, de modo a evitar que novas vítimas resultem de novos inevitáveis confrontos diretos.

A questão que se coloca aqui não é a de discutir se a propriedade é ou não fruto de espoliação ilegal, fraudulenta por parte do militar que se diz seu proprietário. Trata-se, isto sim, de refletir sobre o método usual do MST de, informado até mesmo pelos órgãos responsáveis pelo controle, como o Incra, achar-se no direito de tomar uma área à força independentemente – ou à completa revelia e declarada desobediência – de decisões do Judiciário, a esfera constitucional encarregada de dirimir conflitos com base na lei e no direito das partes.

Assim, ainda que ao final se declare a existência de vícios de origem insanáveis que desmontem a defesa jurídica do seu suposto proprietário, não subsiste a menor dúvida de que o ataque à propriedade – ou a "justiça pelas próprias mãos" – é o ca­­minho inapropriado para a resolução do conflito de interesses que separa as duas partes. Há leis e trâmites necessários a ser seguidos e obedecidos – embora se saiba serem eles, infelizmente, vítimas da morosidade com que se processam no Brasil os julgamentos de qualquer espécie.

Trata-se, portanto, de uma tentativa de fazer viger o que se define como "lei da selva", pela qual métodos e ações passam ao largo de preceitos constitucionais e de convivência numa sociedade organizada segundo padrões civilizados, democráticos, republicanos. Na "lei da selva" ganha o que reunir força mais numerosa, estiver mais armado e se apresentar mais capaz para esmagar o inimigo.

O caso da Fazenda São Francisco, em Ponta Gros­­sa, reproduz como um espelho tantos outros conflitos trágicos provocados por esta "luta pela terra". Lutar pela terra é um direito legítimo, es­­pecialmente quando se tem em mente (1) o processo de espoliação histórica praticado pelos poderosos (os mais fortes da selva) e (2) o drama social em que vivem milhões de brasileiros deserdados em razão de um modelo de exploração agrícola que não levou em consideração a proteção aos direitos de sobrevivência dos pequenos e mais fracos. Tais fatos, lamentáveis sob todos os aspectos, não são desconhecidos.

Entretanto, diante deles, volta-se ao ponto inicial: a força e o pisoteio da lei e da ordem não são os métodos adequados para a resolução de casos como o da Fazenda São Francisco. Vidas humanas são colocadas em jogo – certamente um estopim dramático para fazer eclodir com mais violência a lei da selva em lugar do estado de direito. Defi­­nitivamente, este não é o caminho que interessa aos brasileiros – todos conscientes e concordes com a necessidade de dar amparo e terra aos que dela foram expulsos.

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