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Aplicativo Caixa Econômica Federal- FGTS.
Na semana passada o governo falava em liberar saques de até 35% dos recursos do FGTS, mas agora mudou de ideia.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Quando assumiu o governo, com o golpe militar de 1964, o presidente Castelo Branco nomeou como titular do Ministério do Planejamento o economista Roberto Campos, reconhecidamente um dos mais preparados intelectuais brasileiros e que estava servindo como embaixador do Brasil nos Estados Unidos no governo deposto de João Goulart. A missão dada ao novo ministro tinha, entre outros, o objetivo de modernizar as relações entre o trabalho e o capital, reformar a legislação trabalhista e, principalmente, arrumar uma alternativa à lei da estabilidade no emprego para trabalhadores privados. À época, o empregado, quando completava 10 anos de vínculo empregatício com o mesmo empregador, não podia ser demitido e adquiria estabilidade até sua aposentadoria.

A lei da estabilidade já havia se tornado obsoleta e inadequada à economia moderna, pois, quando a instabilidade se instalava e as empresas se viam obrigadas a ajustar a produção e cortar custos, a proibição de demissão de empregados era fatal e levava muitas companhias à falência. Entre as mudanças feitas na legislação do trabalho, foi aprovado o fim da estabilidade e a criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), instituído pela Lei 5.107, de 13 de setembro de 1966, para vigorar a partir do início do ano seguinte, pelo qual o empregador passou a depositar 8% sobre o salário do empregado em uma conta individualizada, a fim de criar uma poupança a ser sacada pelo funcionário quando se aposentasse.

A baixa remuneração do FGTS representa uma brutal transferência de patrimônio do trabalhador para o governo

Além da finalidade de formar um fundo a partir dos depósitos do FGTS e seus rendimentos, a ideia era criar recursos em fundo nacional para financiar a expansão da habitação no país. O FGTS seguiu seu destino, sofreu algumas mudanças, mas sobreviveu até hoje e aí está, com seus recursos sendo administrados pelo governo federal, cumprindo seus objetivos, sem deixar de apresentar distorções problemáticas. Uma delas é o fato de os juros pagos sobre o saldo do FGTS acumulado em nome do trabalhador serem resultado de uma taxa fixa de 3% mais a TR (taxa referencial), fazendo que os rendimentos raramente cheguem a 4% ao ano, inferiores à caderneta de poupança (que tem juros de 6% ao ano) e, muitas vezes, abaixo da inflação.

Em alguns anos, a perda de patrimônio do trabalhador atingiu valores elevados, como em 2015, quando, em plena recessão, a inflação ficou em 10,6% e o FGTS rendeu menos de 4%. Isso significa que, somente naquele ano, o governo, na prática, tomou para si quase 7% de todos os saldos do FGTS acumulado até então. Esse é um dos problemas que persistem até hoje e chega a ser estranho que ainda não tenha sido resolvido, apesar de representar brutal transferência de patrimônio do trabalhador para o governo. Em 2017, no governo Temer, a hipótese de mexer nas regras de remuneração do FGTS foi aventada, mas não andou, e acabou cedendo lugar a uma medida boa: a autorização para saque das contas inativas – aquelas pertencentes a trabalhadores que, por alguma razão, não estavam recebendo salário formal e o respectivo depósito no FGTS –, o que acabou por liberar R$ 44 bilhões para os titulares de tais contas.

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Agora, diante do baixo crescimento econômico e do elevado desemprego, o governo Bolsonaro retorna com a ideia de tomar a mesma medida, dando autorização para saques de contas inativas, mas também das contas ativas, até determinado porcentual, a fim de promover estímulo ao consumo e melhoria dos negócios. O anúncio, que deveria ter ocorrido na semana passada, foi adiado para esta quarta-feira, sob a alegação de que ainda era preciso acertar detalhes dessa liberação – o certo é que o setor da construção civil apresentou queixas veementes ao governo. Do que foi apurado até agora, mas sem confirmação oficial, a liberação de recursos do FGTS poderia chegar ao total de R$ 30 bilhões. Um volume que, nas mãos dos trabalhadores, produzirá movimentos na economia, tanto em aumento do consumo como em pagamento de dívidas, com consequências positivas em aumento dos negócios e alívio no desemprego. Entretanto, é muito difícil chegar a cálculos precisos sobre os efeitos da medida, até pela complexidade da economia e do mercado.

Há, porém, de considerar um efeito negativo: a finalidade do FGTS começa a ser desvirtuada, pois, em vez de servir como um fundo a ser sacado quando da aposentadoria do trabalhador ou em situações especiais, a exemplo da aquisição da casa própria ou uma doença grave, o saldo poupado ao longo do tempo de emprego vai sendo corroído e perdendo sua função inicial. O problema, de difícil solução, é saber o que é pior para o país: continuar convivendo com uma economia deprimida e desemprego elevado, mantendo intacto o FGTS somente para ser sacado nas situações previstas em lei, ou liberar saques de contas inativas e algum porcentual de contas ativas para tentar reanimar a economia e reduzir o desemprego.

Não há resposta fácil para essa questão. Mas o que seguramente não é bom para os trabalhadores é a autorização fácil e repetida para saques das contas a cada vez que o país tem dificuldade de crescer e gerar empregos. Parece necessário adotar cautela nesse aspecto, no momento em que deve voltar a discussão a respeito das regras de remuneração do FGTS, a fim de evitar que o patrimônio dos titulares das contas seja confiscado pelo governo a cada vez que a inflação supera a taxa de remuneração dos saldos.

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