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A possível descriminalização do porte de drogas – em pequena quantidade, para uso individual – deve voltar nesta quarta-feira ao Supremo Tribunal Federal (STF); o tema está na pauta do dia, depois do pedido de vistas do ministro Luiz Edson Fachin, no meio de agosto. Não sopram ventos tranquilos. Tudo indica que o debate vai continuar a mexer com os nervos e o coração dos brasileiros – e os canhões apontados, em especial, na direção dos que veem com reservas uma decisão que aponte para o permissivismo. Os “do contra” costumam ser prontamente tachados de membros de uma facção conservadora, incapazes de admitir uma escolha individual, por conta e risco, cuja repressão se tornou cara e inútil, até porque estaria longe de ser um deus-nos-acuda. Os defensores da mudança alegam que o uso crônico, responsável e inofensivo de drogas – tal e qual acontece no consumo de álcool, remédios e cigarros – não traz problema algum.

Vamos concordar que um comportamento evidentemente degradante e prejudicial seja considerado aceitável pela lei?

Mas é difícil desconsiderar que há muito mais em questão do que freios de mão puxados em torno de supostas reservas morais e moralizantes. Colocar em dúvida se vale ou não a pena descriminalizar deve ser visto como método, e não como rinha ideológica. Para começo de conversa, é preciso organizar essa pauta. Itens nebulosos não faltam: o debate parece estar centrado na maconha, ignorando que, se o artigo 28 da Lei de Drogas for declarado inconstitucional, ficará descriminalizado o porte de todas as drogas – inclusive as mais viciantes e mortais, como o crack – e não apenas da cannabis. Outro item diz respeito à suposta ausência de evidências científicas de que o uso constante de psicoativos possa trazer, no médio e longo prazo, transtornos mentais. Lenda ou verdade? Por fim, se o tráfico continuará sendo crime, quem é que venderia essas pequenas porções de drogas permitidas?

A margem de risco é enorme – em 2015 não dá para ignorar a quantidade de heróis que morreram de overdose. Já sabemos o desfecho dessa história. Muda o arco da conversa. Se as premissas não estiverem claras, melhor ligar o sinal de alerta. No que diz respeito ao impacto das drogas nos casos de sofrimento mental, convém lembrar que mais parece um jogo de varetas coloridas. Virou uma bandeira dizer que o uso prolongado da maconha não está relacionado a distúrbios psicológicos na idade adulta ou na maturidade, sugerindo um “libera geral”, um “não tem perigo”. Esse debate esconde um jogo semântico pernicioso. Diz-se que “não há provas”, mas sobram evidências de que sim, constatadas pelos psiquiatras em um sem-número de casuísmos.

Esse pântano de possibilidades, negativas e positivas, é próprio da drogadição, pois cada consumidor é um mesmo que se enquadre numa categoria. Nesse sentido, assinar embaixo do “não, não traz prejuízos futuros” se trata de uma ultrapassagem perigosa, sem nenhum cálculo sobre quanto custará mais uma barbeiragem para o sistema de saúde e para os pacientes. É complicado dizer que essa indefinição pode ser resolvida na esfera privada – seguindo a máxima de que, nesse quesito, cada um faz o que bem entende. Vamos concordar que um comportamento evidentemente degradante e prejudicial seja considerado aceitável pela lei? Quem é que paga a conta da saúde pública? Eis os pontos.

Tem mais. Como manifestou uma expert no assunto – a médica Ana Cecília Marques, da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead) –, o debate tem uma “sofisticação”. O uso individual tende a ser entendido como um “todo mundo pode”, levando ao que todo mundo teme – mais consumo, mais experimentação, mais adictos em campo de guerra e nenhuma política de prevenção com fôlego para dar conta da demanda. Vai ser muito educativo sentar e conversar, nas mais diversas instâncias, mas não vale a pena pagar para ver.

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