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Todas as cidades do Paraná contam com bibliotecas públicas à disposição da população. Isso na teoria. A realidade desmente a animadora estatística do Ministério da Cultura (Minc) em pelo menos seis municípios do estado: Adrianópolis, Agudos do Sul, Bocaiuva do Sul, Inajá, Iracema do Oeste e Itaúna do Sul. Como mostrou no domingo a reportagem da Gazeta do Povo, nessas localidades até há livros, mas faltam espaços para que as obras cumpram o destino de chegar às mãos dos leitores. O caso dá a medida da tarefa que o ministério tem pela frente para cumprir a meta de zerar o número de cidades brasileiras sem biblioteca até o fim de julho.

Maior que o problema quantitativo -- a ser resolvido pelo efetivo cumprimento da meta federal e por programas estaduais como o paranaense Biblioteca Cidadã -- é o desafio da qualidade. Desafio que toma dimensão ainda maior quando envolve a escolha de obras destinadas a bibliotecas escolares. Um episódio recente, ocorrido em União da Vitória, chama a atenção para essa questão.

Surpresos com a enorme procura dos adolescentes por dois títulos específicos, os educadores da Escola Estadual São Cristóvão descobriram que cenas de pornografia, violência e pedofilia é que estavam despertando o interesse dos jovens leitores para os livros, que chegaram até o colégio por meio do Programa Nacional das Bibliotecas Escolares (PNBE), do Ministério da Educação. Constatada a inadequação dos conteúdos, o diretor da escola, Jair Brugnago, também vereador em União da Vitória, entrou com ação no Ministério Público para pedir que todos os exemplares de Amor à Brasileira – que reúne vários contos, dentre eles um de Dalton Trevisan -- e Um Contrato com Deus, do escritor americano Will Eisner, fossem retirados das escolas da cidade. Decisão semelhante foi tomada pelo Núcleo Regional de Educação de Foz do Iguaçu. Essas medidas chegaram a ser confundidas com censura, o que indica o quanto a cultura da aceitação automática, sem questionamentos, está instalada no universo escolar.

O que se passou em União da Vitória e em Foz do Iguaçu foi a reação possível diante de uma situação que chegou ao extremo porque os mecanismos anteriores falharam. Afinal, as obras que desembarcam nas estantes das escolas públicas são resultado de algumas escolhas. A primeira delas se dá na esfera editorial. Em grande medida, as editoras definem o que os estudantes brasileiros vão ler durante o ano letivo, pois escolhem quais originais vão ou não para a impressão, quais obras serão ou não reeditadas. Essas empresas nem sempre tomam suas decisões de forma independente, pois lutam entre si para terem os títulos "apadrinhados" por programas oficiais. Segundo a Câmara Brasileira do Livro, cerca de 60% dos títulos editados no Brasil são comprados pelos governos para distribuição em programas escolares. Como é óbvio, um grande número de autores não consegue passar pelo crivo do mercado editorial. Curiosamente, a ninguém ocorre dizer que as editoras "censuram" os títulos recusados. Fica entendido que se trata de uma seleção.

A escolha seguinte se dá na esfera das políticas públicas. No caso do governo federal, cabe à comissão de educadores do PNBE selecionar, no universo de títulos disponíveis, quais são os mais adequados para os estudantes. Kits como o que chegou à Escola Estadual São Cristóvão, de União da Vitória, são resultado dessa decisão. Os que são destinados ao ensino médio contêm no máximo 273 títulos (caso das instituições com mais de 500 alunos). É fácil, portanto, dar pela falta de um imenso número de escritores da literatura nacional e mundial. Teriam sido censurados? É evidente que não. Seria pouco razoável queixar-se de que uma ou outra obra não fazem parte da lista. Afinal, há mais títulos "ausentes" do que "presentes". Cabe, portanto, a abordagem inversa. Se as preferências recaem sobre um certo conjunto de títulos, isso indica que os responsáveis pela seleção consideram esses livros como os mais indicados para os estudantes brasileiros. É sob essa perspectiva que se pergunta: Amor à Brasileira e Um Contrato com Deus são realmente as escolhas mais adequadas, dentre tantas possíveis, para nossos estudantes? Claramente, não é esse o caso. Tanto assim que mesmo quem inicialmente viu censura na decisão de Brugnago ficou perplexo com o teor de uma das obras em questão: na entrevista que concedeu a uma emissora de rádio de Curitiba, Brugnago foi desafiado pelo radialista a comprovar o despropósito do conteúdo. Com a leitura de um trecho pelo diretor, o constrangimento ficou nítido. Tanto que só restou ao entrevistador chamar os comerciais.

A inadequação da escolha é evidente. Para explicar a opção pelos títulos em um programa federal, restam, portanto, duas hipóteses: despreparo ou negligência. Como se vê, o caso não é de censura.

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