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| Foto: Miguel Schincariol/AFP

Quando Lula anunciou que faria um pronunciamento às 16 horas de sexta-feira, ainda no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, onde se entrincheirou desde que o juiz Sergio Moro ordenou sua prisão, na quinta-feira, já estava claro que ele não cumpriria o prazo das 17 horas para se entregar à Polícia Federal, seja em Curitiba, seja em São Paulo (dada a distância entre o sindicato e a sede da PF na capital paulista). O chefão petista preferiu ignorar as orientações de seus advogados e ouvir os radicais irresponsáveis do partido, liderados pelos senadores Gleisi Hoffmann e Lindbergh Farias, que defendiam a desobediência à determinação judicial e a resistência à prisão.

No fim, não houve pronunciamento nenhum e continuaram as negociações com a Polícia Federal. A PF, inteligentemente, preferiu não recorrer à força, evitando assim entregar de bandeja para os petistas a narrativa vitimista que o partido sabe manipular tão bem. Lula, apesar de desrespeitar o prazo dado por Moro, também não partiu para o chamado ao confronto, até porque, astuto que é, sabe que isso seria motivo mais que suficiente para uma prisão preventiva (o que dispensaria qualquer discussão sobre a legalidade da prisão após condenação em segunda instância) e a perda de todas as prerrogativas que Moro concedeu ao petista.

Os petistas disseram o tempo todo que o “povo” protegeria Lula e tomaria as ruas por ele, mas quem deu as caras foi apenas a militância profissional

Mas houve espaço para um momento final de torpeza da parte de Lula. O ex-presidente já havia aviltado a memória da falecida esposa, Marisa Letícia, ao tentar jogar nas costas dela a responsabilidade por todas as decisões a respeito do tríplex. E, diante da prisão iminente, ele usou novamente o nome da ex-primeira-dama para alegar que só poderia se entregar após a realização de uma missa em homenagem ao aniversário natalício de Marisa Letícia na manhã deste sábado – missa esta de que ninguém havia ouvido falar até o fim da tarde de sexta, e que acabou virando uma cerimônia religiosa mais simples, ligada a um ato com a presença de artistas vassalos de Lula e um discurso recheado das mesmas mentiras e frases de efeito de sempre. Marisa Letícia, que supostamente era a razão do evento, quase não foi lembrada.

Depois do ato religioso, Lula resolveu almoçar com a família no sindicato e, então, veio o teatro: a militância estaria impedindo o carro do presidente de deixar o local – tudo convenientemente perto das 18 horas, o horário após o qual a polícia não pode mais entrar em domicílios para cumprir mandados de prisão (e, dadas as circunstâncias, seria possível interpretar que Lula se encontrava domiciliado no sindicato). A defesa de Lula tentou explicar à Polícia Federal que não se tratava de armação, mas é preciso ser muito ingênuo para acreditar que uma militância tão apaixonada ousaria contrariar a vontade de seu ídolo. A uma palavra do chefão, os militantes abririam caminho para seu veículo, ou não? Fato é que a PF deu meia hora para o impasse se resolver, do contrário Lula seria responsabilizado (provavelmente, com uma prisão preventiva); de repente, os caminhos se abriram e o ex-presidente finalmente se deslocou até o Aeroporto de Congonhas.

Miguel Schincariol/AFP

Todas as protelações e provocações não impediram, no entanto, o desfecho que o país esperava: agora, Lula ruma para a sede da Polícia Federal, em Curitiba, onde ficará encarcerado. Ganhou algo com toda essa cena? Possivelmente não. A militância, claro, aplaudirá a “astúcia” do ex-presidente que teria “passado a perna” em Moro e na Polícia Federal ao não se submeter a seus prazos. Mas, para o brasileiro comum, mesmo aquele que tem alguma admiração por Lula e até votaria nele em outubro caso ele pudesse se candidatar, a imagem que ficou é a de um covarde que não respeita a lei e não tem vergonha de se esconder atrás da falecida esposa e de um punhado de militantes.

Leia também: Lamentar ou celebrar a prisão de Lula? (editorial de 6 de abril de 2018)

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E como o país reagiu a Lula preso? Aqueles que previam – ou desejavam – uma enorme convulsão social deram com os burros n’água. Os petistas disseram o tempo todo que o “povo” protegeria Lula e tomaria as ruas por ele, mas quem deu as caras foi apenas a militância profissional, seja em São Bernardo do Campo – com direito a agressão a jornalistas, o que também ocorreu em outras cidades, incluindo Curitiba –, seja vandalizando prédios residenciais ou públicos (a exemplo do edifício onde mora a ministra Cármen Lúcia, em Belo Horizonte, ou o Centro Cultural da Justiça Federal, no Rio), seja bloqueando estradas. Quanto a esses, espera-se que os agressores sejam identificados e presos, e que as forças de segurança restabeleçam rapidamente o direito de ir e vir onde quer que ele seja violado. Enquanto isso, o povo de verdade estava e está seguindo em frente com sua vida, aguardando ansiosamente que a Justiça e a lei prevaleçam.

Se Lula vai ficar muito ou pouco tempo na prisão a partir deste sábado, depende do Supremo Tribunal Federal. Há a possibilidade de, nesta quarta-feira, o plenário do STF votar o pedido de liminar que soltaria todos os condenados em segunda instância que aguardam recurso enquanto os ministros não votarem as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44. Se essa liminar prosperar, ou se, em algum momento, o Supremo reverter seu entendimento atual, Lula voltará para as ruas e aguardará em liberdade o julgamento dos recursos. Mas o encanto já está quebrado. E que ele não se iluda: mais cedo ou mais tarde, os tribunais superiores darão seu aval ao julgamento de Sergio Moro e do TRF-4 e não haverá mais escapatória para o chefe da “propinocracia”.

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