A esquerda brasileira, incluindo o PT, já parabenizou Nicolás Maduro por ter sido declarado vencedor da “eleição” presidencial venezuelana (o que é bem diferente de ter efetivamente vencido uma eleição livre e limpa – isso, sim, sabemos que não aconteceu). O presidente Lula, no entanto, ainda não deu o passo decisivo sobre o assunto: não endossou a farsa eleitoral como fizeram seus amigos de Cuba, Bolívia, Rússia e China, mas também não a denunciou, como fizeram os governos de democracias do Ocidente. No entanto, questionado sobre o caso venezuelano em uma entrevista a um canal de televisão matogrossense, o petista fez parecer que o que ocorre na Venezuela é uma mera divergência em torno de resultados, e que poderia ser resolvida por vias institucionais.
“É normal que tenha uma briga. Como se resolve essa briga? Apresenta a ata. Se a ata tiver dúvida entre a oposição e a situação, a oposição entra com um recurso e vai esperar na Justiça o processo. E vai ter uma decisão, que a gente tem que acatar”, afirmou Lula. E continuou: “Eu estou convencido que é um processo normal, tranquilo. O que precisa é que as pessoas que não concordam tenham o direito de se expressar e de provar que não concordam e o governo tem o direito de provar que está certo”. Por fim, saiu-se com mais pérolas: “O Tribunal Eleitoral já reconheceu o Maduro como vitorioso, mas a oposição ainda não. Então, tem um processo. Eu vejo a imprensa brasileira tratando como se fosse a Terceira Guerra Mundial, mas não tem nada de anormal. Tem uma eleição, tem uma pessoa que disse que teve 51%, teve outra pessoa que disse que teve 41%, entra na Justiça e a Justiça faz”.
Ao normalizar o que é anormal, Lula está apenas preparando o terreno para validar a permanência do ditador no poder
Que “processo normal” é este em que oposicionistas são arbitrariamente impedidos de concorrer, em que a campanha dos adversários do ditador é prejudicada de todas as formas, em que líderes políticos que declaram apoio ao candidato de oposição são presos, em que milícias paramilitares coagem eleitores em locais de votação? Como é possível chamar de “uma briga normal” ou de mera discordância uma divergência de resultados tão grande, e motivada pelo fato de uma autoridade eleitoral nada independente simplesmente esconder as informações que poderiam atestar a vitória de Maduro? E, por fim, como acreditar que a disputa poderá ser resolvida de forma imparcial pela Justiça venezuelana, que é totalmente aparelhada pelo chavismo?
É óbvio que Lula sabe de tudo isso – a subserviência de todos os demais poderes e instituições ao Executivo faz parte da “democracia relativa” cunhada pelo petista para legitimar a ditadura de seu amigo. E é justamente assim que a declaração de Lula tem de ser lida: ao normalizar o que é anormal, ao tratar o que ocorre na Venezuela não como uma gigantesca fraude em andamento, mas como mera controvérsia que deve ser resolvida pela Justiça, cuja palavra deve ser aceita por todos, o brasileiro está apenas preparando o terreno para validar a permanência do ditador no poder. Não o fará imediatamente para não chocar aqueles que, na política e na opinião pública, ainda compram a lorota do “Lula democrata”; mas, assim que tiver em mãos o primeiro pedaço de papel, relatório ou decisão judicial, que lhe permita reconhecer a declaração de vitória feita pelo Conselho Nacional Eleitoral chavista, Lula o fará – e ainda dirá que a oposição precisará aceitar tudo sem reclamar.
Ganhar tempo e esperar para endossar a farsa também tem sido a estratégia do chanceler de facto brasileiro, Celso Amorim, o grande artífice dessa política externa completamente desprovida de bússola moral, que coloca o país ao lado das piores ditaduras, de regimes assassinos e até de terroristas. Enquanto Amorim e Lula esperam, no entanto, o regime de seu amigo em Caracas já começou a violência contra os que ousam se levantar e contestar a farsa, com mortes, prisões e sequestros de opositores. Maduro culpou os líderes oposicionistas María Corina Machado e Edmundo González Urrutia, mas a verdadeira responsabilidade é de quem detém todo o poder armado venezuelano – e daqueles que o apoiam, seja de forma explícita, seja pelo silêncio conivente.
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