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| Foto: Adalberto Roque/AFP

Como todo cubano já sabia desde antes de as eleições parlamentares de março serem convocadas, o substituto do ditador Raúl Castro será o seu vice-presidente, o professor universitário Miguel Díaz-Canel. O resultado não tinha como ser outro, já que os 605 eleitos no mês passado são todos do único partido permitido na ilha, o Comunista. Em um teatro bem elaborado, eles escolhem 31 membros do Conselho de Estado, que por sua vez “elege” o novo líder do país – o verbo é mera força de expressão, pois trata-se de apenas sacramentar o que já estava definido havia um bom tempo.

Ao contrário de Raúl e seu irmão Fidel Castro, que governaram a ilha com mão de ferro e poder ilimitado desde que tomaram o poder, em 1959, Díaz-Canel, um civil que nem era nascido quando os Castro depuseram Fulgencio Batista, governará à sombra de seu antecessor, que permanecerá à frente tanto das Forças Armadas quanto do Partido Comunista – que, no fim das contas, são quem dá as cartas em Cuba. Afastar-se demais do ideário do velho ditador poderia custar caro, mas, dada a discrição com que tem agido até chegar à cadeira presidencial, não se sabe nem mesmo se Díaz-Canel estaria disposto a tal guinada ou se compartilha integralmente das convicções dos Castro.

O Partido Comunista espera que os cubanos, com algum pão na mesa e dinheiro no bolso, sigam tolerando o regime

Foram justamente essas convicções, ou pelo menos seu núcleo, que colocaram a ilha em seu estado atual de miséria. O socialismo afundou a ilha caribenha, que se tornou dependente do dinheiro soviético e, posteriormente, venezuelano. Ambas as fontes secaram, e Raúl percebeu que algum tipo de abertura econômica teria de ocorrer antes que um povo miserável acabasse se voltando contra a própria ditadura. O empreendedorismo individual foi permitido para algumas poucas centenas de atividades, mas essa liberalização ainda se dá de forma muito precária. A moeda local, desvalorizada e usada para pagar a maior parte da população, convive com o “peso cubano conversível”, a moeda dolarizada, também oficial, em torno da qual gira o turismo na ilha. Díaz-Canel terá de solucionar essa disparidade e avançar no processo de abertura da economia à iniciativa privada se não quiser governar um país totalmente destroçado economicamente.

Leia também: O legado de Fidel Castro (editorial de 28 de novembro de 2016)

Leia também: Sai Castro, entra o Partido Comunista Cubano (artigo de Javier Corrales e James Loxton, publicado em 1.º de março de 2018)

Assim, o Partido Comunista espera que os cubanos, com algum pão na mesa e dinheiro no bolso, sigam tolerando o regime que está prestes a completar 60 anos, com todas as suas características nefastas: partido único, perseguição a opositores, presos políticos (aqueles de cuja greve de fome Lula chegou a zombar, em 2010), ausência de liberdades individuais e de imprensa livre. Seria uma repetição, em menor escala, do fenômeno chinês, embora a liberdade econômica em Cuba ainda esteja a muitos anos-luz do que se observa na ditadura comunista que perdura no outro lado do mundo: seria preciso evoluir muito para chegar perto da realidade chinesa atual.

Mas uma ditadura comunista com economia de mercado continua sendo uma ditadura comunista. Algum conforto econômico (porque falar em “prosperidade” já seria um exagero) não é um preço que se possa pagar pela abolição das liberdades democráticas, como se esses direitos pudessem ser facilmente relativizados. Cuba precisa sair da miséria econômica, mas precisa ainda mais de liberdade total, também no campo político e ideológico, até porque ela é o caminho mais rápido para prosperar. No entanto, se considerarmos que Díaz-Canel jamais teria chegado tão longe se tivesse algum compromisso com a democracia, o mais provável é que os cubanos sigam vítimas do socialismo enquanto a ditadura lhes atira algumas migalhas em pesos conversíveis.

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