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Os brasileiros que esperavam um desfecho para o julgamento do mensalão ficaram frustrados ontem com o voto do ministro Celso de Mello, favorável à aceitação dos embargos infringentes, um recurso que permitirá novo exame, no Supremo Tribunal Federal (STF), dos casos em que condenados tiveram pelo menos quatro votos por sua absolvição. À primeira vista, parece incoerente que o mesmo Celso de Mello que reservou algumas das palavras mais duras em relação aos mensaleiros durante o julgamento tenha dado o que é visto como um voto pela impunidade.

Mas a incoerência se desfaz ao considerar o histórico do ministro. Celso de Mello é seguidor da corrente garantista, que defende o amplo direito de defesa aos réus. Em agosto de 2012, quando se discutia a possibilidade de que alguns dos réus fossem julgados pelo STF e outros, por instâncias inferiores da Justiça, o decano rejeitou o desmembramento, alegando que, em caso de decisão apertada, os condenados teriam direito a recurso. É a defesa convicta das garantias dos acusados, e não um suposto alinhamento ideológico com os réus do mensalão, que guiou Celso de Mello no voto de ontem.

Afinal, seria difícil classificar entre os "companheiros" um magistrado que se referiu aos mensaleiros nos seguintes termos: "Nada mais ofensivo e transgressor à paz pública do que a formação de quadrilha no núcleo mais íntimo e elevado de um dos poderes da República com o objetivo de obter, mediante perpetração de outros crimes, o domínio do aparelho de Estado e a submissão inconstitucional do Parlamento aos desígnios criminosos de um grupo que desejava controlar o poder, quaisquer que fossem os meios utilizados, ainda que vulneradores da própria legislação criminal". Ou, ainda: "A isso, a essa sociedade de delinquentes, a essa societas delinquentium, o Direito penal brasileiro dá um nome: o de quadrilha ou bando" – quadrilha que agiu "nos subterrâneos do poder, como conspiradores à sombra do Estado", tendo como objetivo "a agressão permanente contra a sociedade civil".

Por isso, chega a ser injusto que o decano vire o alvo da indignação popular. As circunstâncias fizeram dele o responsável pelo voto decisivo, mas que foi apenas um entre seis favoráveis aos embargos infringentes. Se qualquer um dos outros ministros que votaram da mesma forma (Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Teori Zavascki) tivesse tido opinião diferente, a questão já estaria decidida desde a semana passada e o voto de Celso de Mello não teria influência nenhuma. Aliás, é emblemático o caso de Toffoli, que deveria ter se declarado impedido de participar do julgamento desde o início, devido a suas ligações com José Dirceu – que tinha sido seu chefe na Casa Civil e chegou a ser defendido pela namorada do magistrado. Se Toffoli tivesse feito a coisa certa, muito provavelmente vários dos mensaleiros nem chegariam a ter quatro votos pela absolvição, e não teriam direito aos embargos infringentes.

Em entrevista no fim de semana passado, Celso de Mello disse que a mera aceitação dos embargos infringentes não é sinônimo de impunidade. Do ponto de vista puramente técnico, tem razão: a condenação poderia se repetir no novo julgamento. Mas esta é uma afirmação que não leva em conta a composição do Supremo. José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e Marcos Valério, entre outros, foram condenados por formação de quadrilha pelo placar de 6 a 4. Um dos votos pela condenação veio de Carlos Ayres Britto, que já não faz parte do STF. Se no novo julgamento os ministros repetirem seu voto de 2012, estariam garantidos cinco votos pela condenação (Celso de Mello, Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Marco Aurélio Mello) e quatro pela absolvição (os já citados Lewandowski, Rosa Weber e Toffoli, além de Carmen Lúcia). Sobram os dois novos integrantes do STF, Barroso e Zavascki – este já manifestou sua intenção de reduzir as penas dos condenados por formação de quadrilha, e aquele se desmanchou em elogios a José Genoino recentemente.

Havia bons argumentos jurídicos tanto a favor quanto contra os embargos infringentes. Se do ponto de vista técnico havia divergência quanto à interpretação do Regimento Interno do STF e da Lei 8.038/1990, faltou ao Supremo, como disse Belmiro Valverde em artigo publicado na edição de domingo passado da Gazeta do Povo, interpretar o espírito desses nossos tempos, em que o brasileiro está cansado de ver prevalecer a injustiça. E é um país cansado que assistirá a mais um capítulo do julgamento do mensalão, esperando que a cartada final não promova a impunidade.

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