Em julgamento virtual encerrado na sexta-feira, dia 27, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal mostrou na prática o que o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, dissera à rede de televisão CNN ao afirmar que as decisões absurdas, abusivas e inconstitucionais de Alexandre de Moraes representavam o “sentimento coletivo” do tribunal. A turma rejeitou recursos apresentados pelo X, pelo Discord e pelo influenciador Bruno Monteiro Aiub, conhecido como Monark, e manteve a censura a seus perfis em mídias sociais, imposta por Moraes em 2023.
Ao analisar os recursos apresentados pelo X e pela plataforma Discord, Moraes afirmou que eles não eram parte no processo, sendo apenas meros executores das decisões de bloqueio, e por isso não teriam legitimidade para recorrer em defesa do influenciador. Um argumento que pode até fazer sentido do ponto de vista processual, mas que escancara a hipocrisia e o “direito freestyle” praticado por Moraes, que em 30 de agosto ignorou este mesmíssimo fator para impor uma “obrigação de não fazer” a toda a população brasileira, que não é parte no processo contra o X, ao proibir o uso de VPNs para acessar a rede social de Elon Musk. Este, no entanto, é apenas mais um detalhe sórdido do caso; importa muito mais, no momento, ressaltar o enorme absurdo que envolve toda a perseguição contra Monark, um dos casos mais extremos de todo esse apagão da liberdade de expressão que tomou conta do Brasil desde 2019.
Monark é o incontestável campeão brasileiro na categoria de “castigos sem crime”. Cancelado, desmonetizado, censurado, investigado, levado a buscar abrigo nos Estados Unidos, por quais crimes? Ninguém sabe
Antes de entrar no radar de Moraes e do STF, Monark já tinha sido vítima de um cancelamento irracional devido a um episódio do podcast Flow, que ele apresentava. Naquela ocasião, em fevereiro de 2022, o influenciador havia defendido a possibilidade de nazistas terem liberdade para expor suas ideias e se organizar politicamente. Uma opinião certamente chocante, profundamente equivocada, mas que nem por isso deveria ser considerada crime – o que não impediu o MP paulista de ajuizar, mais de dois anos depois do episódio, ação civil pública contra o influenciador por apologia ao nazismo, ainda que Monark tivesse deixado claro seu repúdio ao ideário nazista.
O influenciador se tornou alvo da fúria censora de Moraes na esteira dos atos de 8 de janeiro de 2023. Naquele mesmo dia, os perfis de Monark no Instagram, no Rumble, no Telegram, no Tik Tok, no então Twitter e no YouTube foram derrubados por ordem do ministro. Monark, no entanto, criou novos perfis em algumas dessas redes; numa delas, em junho de 2023, ele entrevistou o deputado federal Filipe Barros (PL-PR), que levantou dúvidas sobre a inviolabilidade do sistema brasileiro de votação com urnas eletrônicas sem comprovante impresso; em outra ocasião, ele entrevistou o jornalista Allan dos Santos, que tem contra si uma ordem de prisão emitida por Moraes. Ações como estas renderam novas ordens de censura de perfis, com pagamento de multa, e uma investigação pelo crime de desobediência, concluída pela Polícia Federal em janeiro deste ano. Foram os recursos contra essas decisões de bloqueio de perfis que a Primeira Turma acabou de julgar.
A recapitulação se faz necessária para a constatação de um fato cristalino: hoje, Monark é o incontestável campeão brasileiro na categoria de “castigos sem crime”. Cancelado, desmonetizado, censurado, investigado, levado a buscar abrigo nos Estados Unidos, por quais crimes? Ninguém sabe: em todas as decisões de Moraes contra o influenciador, o ministro não é capaz de citar um único ilícito que Monark pudesse ter cometido. O que sobra em negritos, maiúsculas e exclamações nessas decisões falta em referências a artigos do Código Penal. O único deles que Moraes e a Polícia Federal são capazes de citar é o 359, que trata da desobediência, e mesmo assim se trata de outra bizarrice jurídica, já que há jurisprudência do STJ afastando o crime de desobediência quando a decisão judicial desobedecida já prevê uma punição para esse caso.
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Mesmo diante de um caso tão escandaloso, em que as punições sem lastro legal (como a inconstitucional censura prévia) se acumulam sem que nenhuma autoridade seja capaz de afirmar que crime pode ter sido cometido, a sociedade civil – incluindo entidades do mundo jurídico ou que deveriam fazer a defesa incondicional da liberdade de expressão – se cala. Com a notável exceção de alguns poucos juristas, não há quem denuncie o arbítrio evidente, nem quem recorde a defesa da desobediência a ordens ilegais feita magistralmente pelo então ministro do STF Maurício Corrêa em 1996.
O silêncio da sociedade é o alimento dos autoritários, e isso nos traz de volta à frase de Barroso. Ao dar a entender que as ações abusivas de Moraes têm o endosso tácito (ou explícito, como acaba de ocorrer agora na Primeira Turma) de seus colegas do STF, o presidente da corte deixa escapar que a situação da instituição cujo maior dever é a proteção da Constituição e das liberdades democráticas é, infelizmente, mais grave do que imaginávamos. Antes, podíamos ter a esperança de que se tratasse de um único ministro cujas ações até causariam em seus pares um desconforto que, sabe-se lá por que motivos, permaneceria oculto; com a fala de Barroso e a decisão da Primeira Turma, temos todos os motivos para temer que o vírus do “autoritarismo em defesa da democracia” já tenha se alastrado pela corte, fazendo de Moraes apenas a face pública de uma postura que é compartilhada pelos demais membros do STF. Se assim realmente for, as liberdades neste país certamente terão tempos ainda mais difíceis adiante.
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