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Assentado, com boné do MST, assina título de propriedade da terra em Londrina, em 5 de agosto de 2022, apesar da orientação em contrário do movimento.
Assentado, com boné do MST, assina título de propriedade da terra em Londrina, em 5 de agosto de 2022, apesar da orientação em contrário do movimento.| Foto: Divulgação / Incra

“Pessoalmente, só aceito um título de propriedade quando existir um trabalhador sem a possibilidade de ter a terra e de produzir os alimentos, se me apresentarem um título de propriedade assinado por Deus e com firma reconhecida”, afirmou o ex-governador do Paraná (e agora candidato a esse mesmo cargo) Roberto Requião a famílias de assentados na cidade de Londrina, em março deste ano. Naquela ocasião, em evento com a presença do ex-presidente, ex-presidiário e ex-condenado Lula, Requião acrescentou que “os valores cartoriais, a propriedade consagrada acima do interesse das pessoas, tem de ser rejeitada”. Em outras palavras, ele estava exortando os ex-sem-terra a recusar os títulos de propriedade de terras que vêm sendo concedidos pelo governo federal dentro do processo de reforma agrária – no último dia 5, em Londrina, 179 famílias, muitas das quais ouviram o “conselho” de Requião, receberam esses títulos.

O “assinado por Deus e com firma reconhecida” é referência ao famoso Samba da Bênção, composto por Vinicius de Moraes, mas, ao usar a frase, Requião propõe uma verdadeira maldição: que as famílias de agricultores abram mão da maior segurança que podem ter, a posse definitiva de um pedaço de terra, do qual poderão tirar livremente seu sustento. Tudo para que esses assentados continuem dependentes do Movimento dos Sem-Terra, sujeitos às vontades das lideranças do grupo, mantidos em situação de insegurança para que, assim, continuem a ser curral eleitoral das esquerdas a cada dois anos. É o que o atual presidente do Incra, Geraldo Melo Filho, chamou de “lógica da manutenção da dependência” em entrevista à Gazeta do Povo: “A qualquer momento esses não titulados poderiam ser retirados de seus lotes, às vezes com violência. E na hora em que você titula, esse poder deixa de existir”.

A esquerda pretende que as famílias de agricultores abram mão da maior segurança que podem ter: a posse definitiva de um pedaço de terra, do qual poderão tirar livremente seu sustento

Para manter o “culto à lona preta”, o MST usa de samba-enredo a fake news, como a afirmação de que “com seis meses de titulação a terra pode ser vendida e novamente concentrada pelo latifúndio”, feita por Alexandre Conceição, da diretoria nacional do MST. No entanto, a Lei 13.465/2017, fruto da conversão de uma medida provisória assinada por Michel Temer em dezembro de 2016, é clara ao afirmar que há um prazo de dez anos durante o qual a propriedade não pode ser vendida; e, mesmo depois desse período, a lei impede que eventuais negociações levem a nova concentração de terras. O dispositivo, assim, mescla de forma razoável o reconhecimento da hipossuficiência do assentado, sua liberdade para negociar a terra depois de determinado tempo, e impede a reconcentração de propriedades.

E, para que não fique dúvida alguma de que o que menos interessa ao MST e aos partidos de esquerda é o bem-estar dos sem-terra e dos assentados, a entidade chegou a manifestar a intenção de ir até o Supremo Tribunal Federal para impedir o prosseguimento das titulações. O movimento afirma que o governo está ignorando o instrumento da Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), que mantém a propriedade da terra nas mãos do Estado, permitindo apenas a exploração da terra pelos assentados, ainda sob a “administração” do MST. Mas essa modalidade, ainda que tenha a preferência dos chefões dos movimentos sociais por razões óbvias, nem de longe é a única permitida pelo artigo 18 da Lei 8.629/93, que rege o processo de reforma agrária; além da entrega dos títulos definitivos, o governo atual ainda usa os títulos de concessão de uso (CCU), que transferem o imóvel para o assentado de forma provisória, já garantindo acesso à terra, a créditos e programas federais de apoio à agricultura familiar, em uma espécie de estágio intermediário até a posse definitiva.

Ainda que o governo federal tenha preferência nítida pelas modalidades que garantem, mais cedo ou mais tarde, a posse individual da terra, isso não significa que as CDRUs tenham sido abandonadas; elas ainda são usadas, embora sejam minoria. Na verdade, muito mais importante é o fato de os títulos definitivos (seja individuais, seja coletivos como a CDRU) concedidos em três anos e meio de governo Bolsonaro já superarem aqueles concedidos em 14 anos de petismo no Planalto, sem contar os cerca de 290 mil CCUs, usados quando a propriedade ainda não está em condições legais para que haja a titulação definitiva.

O conselho de Requião, felizmente, vem sendo ignorado pelas famílias contempladas na reforma agrária – seja com os títulos definitivos, seja com os provisórios, mas que já abrem inúmeras portas em termos de crédito e dão a segurança da posse definitiva no futuro, assim que todos os entraves legais forem removidos. E não poderia ser diferente. Coletivização e insegurança jamais interessaram àqueles que buscam apenas as condições econômicas de trabalhar a terra e construir sua vida com o próprio suor. Essas pessoas querem ser reconhecidas como indivíduos, com dignidade e direitos plenos, e não como massa de manobra para movimentos sociais e políticos oportunistas.

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