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Embora tivesse no diplomata Márcio Barbosa um candidato viável e já em campanha para assumir o cargo de diretor-geral da Unesco – o prestigiado órgão das Nações Unidas voltado para o desenvolvimento da educação, da ciência e da cultura –, o Brasil decidiu declarar seu apoio à candidatura ao posto do ex-ministro da Cultura do Egito, Farouk Hosni. À estranheza que a simples renúncia brasileira de assumir função de tanta envergadura somaram-se fatores ainda mais polêmicos e de difícil compreensão. Principalmente para os que não atentam para a linha de política internacional que o governo Lula pôs em prática.

Número dois da Unesco e gozando de largo prestígio mundial, Márcio Barbosa já contava com os votos necessários para alcançar o posto. Entretanto, repentinamente, o chanceler brasileiro Celso Amorim anunciou a preferência, a ser formalizada nos próximos dias, pelo candidato estrangeiro, alegando que a vitória do nosso representante não era "líquida e certa".

Se olhado sob inadequado prisma provinciano, a simples capitulação do Brasil em dirigir a Unesco já seria um fato lamentável. Mas isto é bem menos relevante do as questões incômodas nas quais o país se embrenhou ao fazer sua opção pelo candidato egípcio. Tais questões explicam a reação que o anúncio de Amorim provocou nos meios acadêmicos e políticos nacionais.

De fato, o Itamaraty parece ter subestimado a biografia de Farouk Hosni. Os 14 anos consecutivos em que ocupou o ministério de um país cuja riqueza cultural remonta há séculos não lhe dão exatamente a condição de candidato a ser incondicionalmente apoiado para aquele alto posto da ONU. Precisariam ter sido avaliados também atos e opiniões que expendeu à frente do seu ministério para que pudesse ser considerado credenciado para o alto posto. Ao contrário, seus atos e opiniões contradizem o escopo da organização internacional para a qual se apresenta.

Farouk Hosni tornou-se mundialmente célebre por suas posições antissemitas, reveladas até mesmo no exercício do cargo de ministro. Sugeriu, por exemplo, colocar fogo em livros escritos em hebraico pertencentes à respeitada biblioteca nacional do Egito, voltando-se contra ele o repúdio de inúmeros países. Estados Unidos, Rússia, México, Argentina, França, Índia e China, que já teriam declarado apoio ao brasileiro Barbosa. Os Estados Unidos, recentemente, vetaram o nome de Hosni, devido a seu discurso antissemita. Os franceses, que antes haviam escolhido o egípcio, retiraram seu apoio.

Por que, então, o Brasil tomou a decisão de ser um dos patrocinadores da candidatura egípcia? Porque tal postura se encaixa coerentemente no contexto da política externa adotada pelo Brasil a partir do governo Lula de, em nome de um questionável multilateralismo em contraposição ao unilateralismo dos países dominantes, aproximar-se das nações que ocupam papel secundário no concerto internacional. Esta política, aliás, é uma das poucas inspiradas diretamente na fonte programática do PT, já que, de modo geral, as demais políticas do governo Lula representam uma continuidade daquela desenvolvidas pelo antecessor.

Assim, a diplomacia brasileira passou a ocupar-se em promover aproximação com a Rússia, a China e a Índia, com o mundo árabe, com a África e com a América Latina, como que buscando protagonismo entre as nações menos privilegiadas nas grandes relações internacionais, inclusive do ponto de vista comercial. Não se entra, neste espaço, em juízo de valor a respeito de tal política – se ela é mais conveniente ou não para o Brasil. Apenas observa-se que a opção pelo apoio à candidatura do Egito para a direção da Unesco simplesmente obedece a tal lógica.

O mais estranhável, feitas as contas, é que, em nome desta política, sejam pisoteadas as tradições brasileiras que abominam práticas como as atribuídas a Hosni.

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