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 | Alexandre Mazzo/Gazeta do Povo
| Foto: Alexandre Mazzo/Gazeta do Povo

Foram necessários quase nove anos para que um dos crimes de trânsito mais chocantes do país chegasse a um desfecho. O ex-deputado estadual Luiz Fernando Ribas Carli Filho foi considerado culpado pela colisão que matou Gilmar Rafael Yared, 26 anos, e Carlos Murilo de Almeida, 20 anos, que estavam em outro veículo, atingido pelo de Carli Filho – que havia bebido antes de dirigir – na madrugada de 7 de maio de 2009. O Tribunal do Júri concluiu pela culpa do ex-deputado e o juiz Daniel Surdi de Avelar impôs uma pena de nove anos e quatro meses de prisão em regime fechado – mas Carli Filho poderá recorrer em liberdade, e sua defesa já anunciou essa intenção.

Não temos reparos a fazer a respeito da decisão da Justiça, e é preciso elogiar o fato de Carli Filho ter sido condenado não por homicídio culposo – quando não existe a intenção de matar –, mas por homicídio com dolo eventual. Ao beber e trafegar pelas ruas de Curitiba a altíssima velocidade (“compatível com pista de corrida”, na descrição do juiz Avelar), o ex-deputado assumiu o risco de causar uma tragédia como a que causou. E a própria acusação se mostrou satisfeita com o resultado do julgamento. Se há algo a criticar em todo o processo, é apenas sua lentidão, com inúmeras idas e vindas e tentativas de protelar o desfecho ocorrido na quarta-feira. A celeridade, que não deve ser confundida com precipitação, seria uma bela resposta à sociedade, indignada com as circunstâncias que rodearam a colisão – chamá-la de “acidente” seria reduzir a gravidade do que ocorreu naquela madrugada.

Não há como duvidar da sinceridade do abraço entre as mães de Carli Filho e de uma das vítimas

Mas, para além da atuação da Justiça, o julgamento mostrou também um pouco do pior e muito do melhor do ser humano. Não há como duvidar da sinceridade do abraço entre duas mães – Ana Rita Slaviero Guimarães, mãe de Carli Filho, e Vera Lúcia de Carvalho, mãe de Carlos Murilo –, por mais que estivessem rodeadas de câmeras e microfones. O sofrimento desta era indubitavelmente maior, pois jamais terá o filho de volta; mas também machuca o coração daquela saber que seu filho foi responsável por tirar duas vidas de forma tão irresponsável, e pagará por isso (justamente, nunca é demais dizer) sendo privado da convivência familiar. Duas mulheres unidas pela tragédia, ainda que em situações diametralmente opostas, foram capazes de apoiar uma à outra.

Leia também: Não foi acidente (artigo de Lívia Araújo, publicado em 3 de dezembro de 2016)

Nossas convicções:  A dignidade da pessoa humana

Também Christiane Yared, mãe de Gilmar, recebeu um abraço de uma amiga da família de Carli Filho, que pediu à deputada federal que perdoasse o réu. Um pedido que demorou demais para sair da boca do próprio Carli Filho – ele já havia feito declarações semelhantes, mas nunca dirigidas pessoalmente àquelas cuja família sua ação devastou. Pedir desculpas nas mídias sociais, ou ao juiz, é mera técnica midiática ou estratégia para conseguir uma condenação mais branda. A verdadeira grandeza estava em fazê-lo diretamente às famílias de Gilmar e Carlos Murilo, olho no olho. E isso não ocorreu no julgamento. Foi necessária uma pergunta do juiz para que Carli Filho disesse que “nunca tive a oportunidade de pedir desculpa para a dona Christiane e para a dona Vera” – quando, na verdade, chances não faltaram nesses quase nove anos – “Quero hoje poder pedir desculpas pelo que eu causei”, concluiu. Depois do julgamento, Christiane disse que esperava do ex-deputado a mesma ação que a mãe dele teve: ir até as mães das vítimas e abraçá-las. Mesmo assim, ela disse perdoá-lo: “eu não vou carregar esse peso comigo”, afirmou, ao ser questionada por jornalistas.

São âmbitos que não se excluem: Carli Filho tem de pagar pelo que fez, e é para isso que serve a Justiça. Mas o perdão e a solidariedade entre famílias mostram que há algo mais, uma nobreza no ser humano mesmo diante da dor de perder um filho em circunstâncias trágicas. O julgamento encerrado na quarta-feira nos oferece um exemplo duplo: o “institucional”, em que o crime não sai impune; mas, principalmente, o humano, em que famílias de lados opostos da tragédia foram capazes de se apoiar e compreender que justiça não é vingança.

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