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| Foto: Evaristo Sá/AFP

Bolsonaro anunciou nesta quinta-feira (11), em comemoração aos 100 dias de governo completados no dia anterior, um grande pacote de medidas nas mais diversas áreas. Na área social, talvez a que cause maior surpresa – por vir de um presidente que está defendendo políticas liberais – seja o anúncio do pagamento de 13.º salário para os beneficiários do Bolsa Família

O programa foi um dos principais sucessos dos governos petistas e era utilizado fortemente em períodos eleitorais como política distintiva do Partido dos Trabalhadores. Bolsonaro não apenas não encerrou o programa como decidiu aumentar o valor do benefício. Como a visão liberal tende a indicar uma retração em programas sociais (alguns teóricos do liberalismo econômico inclusive advogam que o Estado deveria deixar de empregá-los), a decisão de Bolsonaro de estender o Bolsa Família nos leva a pergunta: qual o papel do Estado na redução da miséria em uma economia liberal e como ele pode ou deve fazer isso?

Existe uma frase atribuída ao ex-presidente americano Ronald Reagan que diz “acredito que o melhor programa social é um emprego”. É difícil não concordar substancialmente com essa afirmação. Somente as pessoas, em sua individualidade, e portanto tendo características e histórias únicas, podem saber o que é mais apropriado para si e em quais campos elas podem empreender suas habilidades, tirando disso um benefício para si (em forma de ganhos financeiros, sociais, mas também em desenvolvimento pessoal e humano) e para os demais (em forma de produtos e serviços, bem como em ações sociais e associativismo). Esse é um dos principais motivos pelos quais as tentativas centralizantes de resolver os problemas econômicos tendem ao fracasso. Um governo central simplesmente não é capaz de equacionar todos os elementos que estão em jogo na sociedade para que a economia em sentido amplo funcione bem.

O Estado tem o importante papel de fomentar e criar condições de trabalho aos cidadãos, às associações e empresas

É por isso que os liberais afirmam que o livre mercado favorece o crescimento econômico. Mas não só. É somente em uma sociedade menos burocrática e centralizada que o ser humano pode se realizar, crescer e desenvolver suas potencialidades, inclusive mediante o enfrentamento dos desafios e das dificuldades.

Isso nos leva a conclusão de que é muito mais vantajoso para uma sociedade que os problemas sejam resolvidos no âmbito mais particular possível, ampliando em círculos concêntricos o número de pessoas envolvidas, na medida em que os problemas vão se tornando mais complexos. Esse é o princípio da subsidiariedade, pelo qual o Estado deve, ou ao menos deveria, se pautar. 

Portanto, a tarefa de gerar empregos (levando em conta que este seja o principal programa social), pela sua própria natureza, cabe primordialmente aos entes privados. É claro que, por ser o ente ordenador da sociedade, o Estado tem o importante papel de fomentar e criar condições de trabalho aos cidadãos, às associações e empresas, para que eles possam alcançar suas finalidades. E é só em caso de fracasso destas que o Estado deveria intervir diretamente.

A expectativa de que o Estado deve ser o principal ator a resolver todos os problemas da sociedade é uma questão cultural que permeia longos períodos de nossa história. Existe uma certa tendência em nós, brasileiros, de achar que todos os problemas devem ser resolvidos “de cima para baixo”. Isso acaba resultando em que as potencialidades individuais e as de associações menores, mais orgânicas, acabem sendo sufocadas, seja pela sanha do Estado em resolver o que não é da sua alçada, seja pela inação dos indivíduos que poderiam dar uma parcela de contribuição para solucionar alguma adversidade. Essa disfunção só pode ser resolvida com uma tomada de consciência cívica e uma educação para a autonomia, bem como o estímulo e o incentivo à criação de associações. 

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Mas os problemas das pessoas em estado de vulnerabilidade não podem esperar tanto. Os cidadãos miseráveis, que dedicam suas vidas a lutar pela sobrevivência, não têm muitas vezes condições de conseguir os meios mínimos de sair da sua situação, esta que praticamente os impede de participar da sociedade em um nível mais amplo. 

Isso nos devolve a nossa pergunta: é possível a criação estatal de um programa como o Bolsa Família – que dá uma pequena renda a pessoas de extrema vulnerabilidade social?

Em casos como esses, é preciso restaurar a dignidade dessas pessoas. O Estado tem condições e facilidade em alcançar lugares que por si a sociedade não conseguiria, e programas bem estruturados como o Bolsa Família podem ser ferramentas importantes para resolver questões bastante sensíveis a quem está desamparado. 

O Estado pode e deve criar programas que beneficiam os indivíduos em situação precária, sobretudo quando a sociedade é incapaz de solucionar por si a questão. Não há verdadeira oposição entre economia de mercado e ajuda estatal a quem necessita – desde que esteja ancorada no princípio de subsidiariedade. Enquanto não conseguirmos como sociedade resolver as mazelas sociais e econômicas brasileiras, Bolsonaro, e qualquer presidente que porventura apareça, faz bem em manter e ampliar o Bolsa Família.

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