• Carregando...
O Brasil e o déficit norte-americano
| Foto: Myles Davidson/Free Images

Uma das questões complexas da filosofia, e que mereceu a atenção dos maiores filósofos nos últimos quatro séculos, diz respeito à possibilidade do conhecimento – isto é, em que medida é possível o conhecimento de um objeto ou de qualquer realidade exterior em sua inteireza e seus aspectos completos. O conhecimento é uma relação entre o sujeito cognoscente (o homem) e o objeto (qualquer realidade exterior ao homem, seja do mundo físico, do mundo social ou do mundo metafísico). A pergunta complexa e não totalmente resolvida é como o homem adquire conhecimento do objeto sob sua observação e análise, a partir da observação dos atributos essenciais e dos atributos acidentais daquilo que é observado e examinado.

Para apreender (no sentido de captar) e compreender os atributos essenciais e os atributos acidentais de qualquer realidade exterior observada, o homem dispõe dos recursos dos sentidos (visão, audição, olfato, paladar e tato), de sua capacidade mental e dos conhecimentos técnicos e científicos dominados, com o uso (ou não) do método científico. No campo das ciências da natureza, a aplicação do método científico permitiu à humanidade dominar os fenômenos naturais e descobrir o funcionamento e as causas de vários eventos e fenômenos do mundo físico. Sobretudo nos últimos 500 anos, houve uma explosão de pesquisas, experimentos e testes, resultando na invenção de milhões de máquinas, equipamentos, produtos e processos úteis para a humanidade.

Os Estados Unidos estão em uma situação ruim em relação ao déficit, o que recomenda ao Brasil não apostar que o aumento substancial das exportações venha pela elevação da demanda norte-americana

Apesar de tudo isso, muitos filósofos afirmaram que haveria limitação para o conhecimento possível da realidade exterior ao sujeito. Quando a relação entre o sujeito do conhecimento (o homem) e a realidade exterior (qualquer fenômeno, evento ou objeto) se dá nas ciências sociais, o problema se torna mais complexo. Um exemplo está na limitada capacidade do homem e das teorias econômicas quanto ao conhecimento preciso do sistema econômico, seu funcionamento e as mutações derivadas de determinadas causas e intervenções deliberadas.

Não é por outra razão que em economia, como nas ciências sociais em geral, é possível haver divergências sobre o diagnóstico e as soluções para problemas que se apresentam. Ninguém pode afirmar que detém o conhecimento certo, completo e infalível da realidade econômica de um país, embora seja possível identificar e diferenciar os conhecimentos que mais se aproximam da realidade factual. O Brasil vive atualmente um desses momentos, em que a compreensão da economia nacional e a identificação das melhores soluções são difíceis.

Um ponto razoavelmente certo para o país sair da recessão, voltar a crescer, recuperar empregos, melhorar a renda por habitante e reduzir a pobreza é a necessidade de maior inserção no mercado internacional, aumento das exportações e absorção de tecnologias estrangeiras. Mas não há consenso – pelo contrário, há muita divergência – sobre quais mercados o país deve priorizar e quais políticas deve implementar. Nos governos do PT, o Brasil priorizou relações com regimes nada democráticos, ditaduras de esquerda, países pobres e alguns regimes de alta rejeição mundial (caso do Irã, por exemplo). O atual governo deu uma guinada clara em direção aos Estados Unidos, mas afirmando que pretende seguir em boa relação com a China, que é o maior cliente comprador de produtos brasileiros.

A decisão do governo Bolsonaro parecia correta e nela se depositava a esperança de expansão do comércio exterior brasileiro. Entretanto, mais recentemente, veio a notícia de que o déficit público dos Estados Unidos atingiu a cifra de US$ 1 trilhão em um ano. Essa informação, mesmo com o PIB norte-americano se aproximando dos US$ 20 trilhões, revela um problema gigantesco que, se não for contido, pode se tornar a semente de uma grande crise econômica naquele país. Se o déficit do governo chegou a esse valor alto, equivalente a 5% do PIB, duas perguntas surgem imediatamente. O governo (setor público em geral) vai atacar esse rombo e pôr fim nele? E, se sim, com quais armas o combate ao déficit será travado?

Existe a hipótese de se deixar tudo como está e o déficit seguir se repetindo a cada ano. Mas, se isso acontecer, causará uma crise pior que qualquer remédio doloroso que venha a ser aplicado para resolver o problema. O fato é que os Estados Unidos estão em uma situação ruim e não há saída indolor, o que recomenda ao Brasil não apostar que o aumento substancial das exportações venha pela elevação da demanda norte-americana. Levantar esse assunto agora é um ato de precaução, pois permite examinar o quadro atual, imaginar as perspectivas para os próximos anos, traçar cenários e simular que medidas podem ser tomadas hoje e no futuro. Caso tudo se resolva bem, a antecipação da discussão não será inútil; pelo contrário, será um exercício útil no campo das relações exteriores.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]