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Ciro Nogueira, do PP, em sua posse como ministro-chefe da Casa Civil do governo Bolsonaro, em agosto de 2021.
Ciro Nogueira, do PP, em sua posse como ministro-chefe da Casa Civil do governo Bolsonaro, em agosto de 2021.| Foto: Isac Nóbrega/Presidência da República

Interlocutores do governo minimizam, afirmam que já estava tudo acertado, que Paulo Guedes aceitou, e que no fim todos – até o próprio ministro da Economia – irão ganhar com isso. Mas não há como negar que a nova divisão de responsabilidades sacramentada em decreto pelo presidente Jair Bolsonaro dá ao Centrão, representado por Ciro Nogueira, ministro-chefe da Casa Civil, um poder inédito na administração do Orçamento da União. Uma fonte ouvida pela Gazeta do Povo diz que “o decreto não entrega a chave do cofre da União para o Ciro”, mas outro entrevistado afirma: “Ele [Ciro] fica com a caneta na mão” – e, no fim das contas, é a caneta que abre o cofre.

O Decreto 10.937/22, publicado na quinta-feira, segue uma praxe: todo ano, o presidente da República estabelece as competências da equipe econômica na administração do orçamento. Na versão mais recente, há dez itens, que incluem remanejamento orçamentário, abertura ou reabertura de créditos extraordinários, abertura de créditos especiais e alteração de despesas. A novidade está no parágrafo único do artigo 1.º: “A prática dos atos de que trata o caput está condicionada à manifestação prévia favorável do ministro de Estado chefe da Casa Civil da Presidência da República”. Em outras palavras, nada do que o decreto delega ao Ministério da Economia acontecerá sem o aval de Ciro Nogueira. É algo que jamais foi feito desde a redemocratização.

A ala econômica do governo, empenhada em devolver racionalidade ao gasto público, está em colisão constante com a ala política, que segue acreditando firmemente que os recursos públicos são infinitos

Tudo em nome da famosa “governabilidade”, entendida como o esforço de manter satisfeitos os parlamentares que votarão temas de interesse do governo em 2022. O decreto garante que o Ministério da Economia não terá mais como barrar, por exemplo, a execução de emendas parlamentares, inviabilizando acordos feitos entre o governo e sua base. “É uma decisão para organizar o governo de forma que possamos cumprir o que combinamos”, diz um dos interlocutores do Planalto ouvidos pela Gazeta – ainda que o combinado seja avançar sobre o dinheiro do contribuinte sem a menor consideração pela responsabilidade fiscal ou com a arrumação da economia, como tem ocorrido com as famosas “emendas de relator”.

Afinal, é disso que se trata: a ala econômica do governo, empenhada em devolver racionalidade ao gasto público especialmente depois de ter empenhado centenas de bilhões de reais no combate aos efeitos econômicos da pandemia, está em colisão constante com a ala política, que segue acreditando firmemente que os recursos públicos são infinitos e existem não para servir ao público, mas aos próprios interesses. Nesse embate, a equipe econômica tem sido vencida com enorme frequência, e a saída de inúmeros secretários e assessores importantes de Guedes demonstra a frustração de cabeças talentosas com as decisões tomadas em Brasília, ainda que o ministro siga no cargo, adaptando seu discurso e relativizando cada derrota.

Cada vez mais fica evidente que há duas “agendas liberais” dentro do governo federal, uma que caminha e outra que está travada. De um lado, há esforços de desburocratização, desregulamentação e valorização da iniciativa privada; com exceção das privatizações, que apenas engatinham, estes objetivos vêm sendo cumpridos – aqui se incluem marcos legais como os do saneamento, das ferrovias e do câmbio, a Lei de Liberdade Econômica e as concessões de infraestrutura. Já o ajuste fiscal e a racionalização do gasto público com o enxugamento do Estado se tornaram um sonho cada vez mais distante, à medida que as reformas estruturantes são dadas como impossíveis em 2022, substituídas pela erosão do teto de gastos, pelo aumento das despesas – inclusive com as emendas de relator e imoralidades como o fundão eleitoral – e, agora, pela entrega da execução do orçamento ao Centrão.

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