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A Câmara dos Deputados aprovou na quinta-feira um projeto que reserva 50% das vagas nas universidades e escolas técnicas federais aos estudantes que tenham cursado todo o ensino médio em escolas públicas. Há uma particularidade nesse projeto que o distingue de tantas outras iniciativas do gênero já aplicadas Brasil afora: ele institui subcotas, pois os que se incluírem no critério maior – isto é, o de serem egressos de escolas públicas – serão divididos proporcionalmente à população de cada estado entre estudantes de baixa renda, negros, pardos e indígenas. Se aprovado pelas duas Casas do Congresso e se virar lei sancionada pelo presidente da República, o projeto tem a notória virtude de abrir oportunidades de inclusão a milhões de brasileiros. É o reconhecimento oficial de que o caminho do desenvolvimento país passa pela educação.

De tantas iniciativas que se têm tentado, pela via da criação de cotas, para diminuir as distâncias entre os brasileiros, este é o que mais se aproxima do que, nesse campo, se poderia classificar como ideal. A desigualdade primordial que separa os brasileiros é a condição socioeconômica. Poucos são os ricos; muitos os pobres. Os primeiros, que pagam a escola privada de melhor qualidade contam evidentemente com maior facilidade para ingressar na universidade pública, gratuita. Os pobres que conseguem concluir o ensino médio e que buscam uma vaga na universidade acabam, na grande maioria dos casos, tendo de se sujeitar aos caríssimos estabelecimentos particulares. É como observa o ex-ministro da Educação, deputado Paulo Renato de Souza: "Todos os dados têm dito que é a situação de renda da família que determina o desempenho diferencial entre os estudantes nos sistemas de ensino".

O projeto inova na medida em que sua proposta de reservar metade das vagas nas universidades públicas aos mais pobres acaba por atender àqueles que se incluem nos critérios raciais, pois é nas camadas mais carentes da população que se concentra a grande maioria não-branca. Ao mesmo tempo, o projeto não exclui os brancos de baixa renda.

No entanto, o projeto que acaba de ser aprovado na Câmara não responde ao maior e mais renitente dos desafios nacionais, que é o de promover a igualdade de oportunidades por meio da educação de base, o mais eficaz dos instrumentos com que pode contar uma sociedade que queira ser chamada de justa. Tivessem todos os brasileiros acesso universal a um ensino de qualidade desde os níveis iniciais, todos, indistintamente, concorreriam em condições de igualdade às oportunidades de cursar níveis superiores.

Lamentável, portanto, é a inexistência no projeto recém-aprovado pela Câmara de quaisquer dispositivos que permitam estabelecer um prazo de validade para a futura lei, em concomitância com metas de melhoria da qualidade do ensino público.

A política afirmativa, à qual o sistema de cotas é filiado, equivale ao reconhecimento do Estado de que o ensino público é inferior ao oferecido por instituições particulares. O estabelecimento de cotas é um recurso legítimo para estancar o efeito nocivo dessa realidade, mas não dá conta de erradicar suas causas. Ao não fixar prazo para o fim da reserva de cotas nas universidades públicas, o governo deixa claro que não tem uma agenda concreta, com datas determinadas, para a melhoria consistente dos ensinos fundamental e médio. É uma displicência inconcebível. O sistema de cotas é bem-vindo como solução temporária que compensa o profundo abismo que divide os brasileiros, mas não pode imobilizar o país com a falsa sensação de que o mal da desigualdade na educação está sanado.

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