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| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O Senado Federal arquivou nesta terça-feira (26) o pedido da instauração de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar integrantes dos tribunais superiores. A CPI que recebeu a alcunha de Lava Toga é a segunda tentativa do Legislativo, neste ano, de apurar supostas condutas ilícitas do Judiciário, sobretudo em relação ao Supremo Tribunal Federal (STF). 

O requerimento da CPI tinha por objetivo investigar “condutas ímprobas, desvios operacionais e violações éticas por parte de membros do Supremo Tribunal Federal e de Tribunais Superiores do País”. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), avaliou que “o requerimento não reúne os pressupostos constitucionais e regimentais de admissibilidade”. Acatou, portanto, o parecer da Consultoria Legislativa do Senado, que apontava que os 13 itens levantados como passíveis de inquérito referem-se a competências puramente jurisdicionais, não passíveis de investigação pelo Legislativo.

Embora Alcolumbre tenha, ao final, encaminhado sua decisão à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para uma manifestação do colegiado, certamente, o momento político vivido pelo Brasil pesou na sua decisão. E, de fato, existem pautas muito mais urgentes a serem discutidas no Legislativo – como a reforma da Previdência, que é fundamental para destravar a economia, ou mesmo o projeto contra a corrupção e o crime organizado, encabeçado por Sergio Moro –, sem levar em conta o delicado período que é uma transição de governo, ainda mais quando há uma mudança drástica de projeto político, como é o caso brasileiro.

A chamada CPI da Lava Toga pode até vir a existir em um momento oportuno

Mas, deixando de lado a oportunidade ou não do enfretamento de supostos desvios do Judiciário, acertou a Consultoria Legislativa do Senado em recomendar o arquivamento? Em tese, uma CPI poderia ser aberta de acordo com os indícios levantados no requerimento apresentado pelo senador Alessandro Vieira (PPS-SE)

Os 13 itens elencados como objetos da CPI podem ser divididos em três grupos: indícios de corrupção, suspeição do magistrado e ativismo judicial.

No primeiro há um único caso que se refere ao ministro César Asfor Rocha do Superior Tribunal de Justiça, que teria recebido R$ 5 milhões da empreiteira Camargo Corrêa para que “criasse obstáculos ao andamento da operação castelo de areia”. Ora, nenhum dos poderes que constituem a República está imune a investigações, incluindo é claro o próprio Judiciário. Problemas dessa natureza apresentam claramente a existência do fato determinado que justifique a instauração de uma CPI. Obviamente, para este ponto, o Senado poderia seguir adiante com o inquérito.

Quanto ao segundo grupo, os casos de suspeição, no entendimento dos consultores legislativos do Senado, “constituem matéria vinculada ao exercício jurisdicional”. No entanto, o Código de Processo Penal, nos seus artigos 252 e 254, é bastante claro ao indicar os casos de suspeição, dispositivo legal fundamental para a garantia do princípio da impessoalidade jurídica. Em tese, o Senado pode abrir uma CPI para investigar o descumprimento dessa lei, até mesmo em virtude do princípio constitucional envolvido neste caso.

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O tema mais polêmico, e também o mais citado entre os membros do Legislativo, é a questão do ativismo judicial, hipótese em que os juízes – mais notadamente os ministros de tribunais superiores – extrapolam seu papel institucional de aplicar as leis ou a Constituição e criam normas que não decorrem do ordenamento jurídico, sob qualquer interpretação razoável que se faça dele. 

É difícil estabelecer genericamente, fora da discussão de cada controvérsia jurídica particular, quais são os limites entre uma interpretação ampla, que respeite a letra, o sentido e a sistematicidade das leis e da Constituição, e a “invenção” de uma norma. A hermenêutica é a seara própria do Judiciário e seria preocupante que o Legislativo interviesse nesse aspecto, ainda mais por meio da instauração de uma comissão de inquérito, de cujas atribuições o regimento interno do Senado exclui aquelas vinculadas ao exercício da função jurisdicional. Do contrário, estaria o próprio Legislativo agindo contra a separação dos poderes estabelecida pela Constituição. 

A questão do “fato determinado” preconizado pelo artigo 58 da Constituição, que é requisito necessário para a instauração de uma CPI, apresenta-se claramente no primeiro caso, um pouco conflitivo no segundo, e terminantemente fora no terceiro. 

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Entretanto, a questão do ativismo judicial é algo que preocupa de fato a sociedade, e suscitar o debate sobre a atuação e os limites dos poderes é saudável para a democracia. O Legislativo é certamente o âmbito próprio para isso, mas não é líquido e certo que a proposição de leis ou de emendas constitucionais possa traçar claramente os limites de atuação do Judiciário, sobretudo em relação à Suprema Corte, que tem, no Brasil, como em outras democracias ao redor do mundo, o papel de julgar a coerência das leis aprovadas pelo Congresso em face da Constituição. 

Há já em tramitação, sem entrar no mérito se esse projeto seria efetivo, uma proposta de emenda à Constituição (PEC 16/2019) que visa limitar o mandato dos ministros do Supremo a oito anos. Outra proposta seria a de que decisões do STF sobre temas constitucionais pudessem ser revistas no Senado através de uma maioria qualificada, em casos que apresentassem flagrante caso de ativismo. Assim como estes, outros projetos poderiam aparecer a partir da iniciativa dos legisladores.

A chamada CPI da Lava Toga pode até vir a existir em um momento oportuno, para investigar supostas condutas ilícitas de magistrados, mas, se eventualmente quiserem minorar os casos de ativismo judicial, a Câmara dos Deputados e o Senado devem debater a questão em Plenário, e o caminho para isso certamente não passa por uma comissão parlamentar de inquérito.

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