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Pegou fogo a discussão em torno da realização da chamada "Marcha da Maconha", programada para ocorrer no início deste mês de maio nas capitais brasileiras. Isso porque a Justiça, atendendo a requerimentos do Ministério Público, suspendeu a realização do evento em várias localidades, sob o argumento central de que a manifestação poderia estimular o uso de drogas.

Ocorre que, com a polêmica instaurada, eis que surge uma questão muito mais relevante do que a relativa ao fato de a marcha ter ou não a capacidade de estimular o consumo de drogas. Estamos falando dos limites à liberdade de expressão e de manifestação do pensamento. Quais seriam os limites aceitáveis e compatíveis com a Constituição Federal de 1988? Que limites poderiam ser legal e legitimamente impostos à liberdade de expressão e de manifestação do pensamento?

Não há dúvida de que, no Brasil, prevalece o entendimento de que o porte de drogas, ainda que para consumo pessoal, é uma espécie de crime, assim como também o é a conduta de se fazer, publicamente, a apologia de fato criminoso. Dito isso, qualquer movimento que tivesse como mote, por exemplo, "Maconha: traga e trague a sua!", representaria, no nosso entendimento, uma clara apologia de crime previsto na legislação pátria. Simples e óbvio assim.

Mas e se o lema do movimento fosse, também por exemplo, "Maconha: descriminalização já", a conclusão seria, necessariamente, a mesma? Entendemos que não. Não há, nesse último exemplo, um incentivo ao cometimento de um crime. Há, sim, a defesa de uma ideia e uma crítica ao ordenamento jurídico vigente, o que encontra pleno e total respaldo na Constituição.

Aliás, trata-se de uma hipótese que se encontrava expressamente consignada na falecida Lei de Imprensa, que, na verdade, mais do que uma simples lei de "imprensa", era uma lei que regulava a liberdade de manifestação do pensamento e de informação. E nessa linha de liberdade de crítica a leis, determinava o artigo 27: "Não constituem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de informação: ... VII - a crítica às leis e a demonstração de sua inconveniência ou inoportunidade;". Tratava-se de dispositivo que, assim como vários outros (direito de resposta, crimes praticados por meio dos veículos de comunicação, etc.) em nada conflitava com a Constituição de 1988. Era um dispositivo que confirmava direitos e garantias constitucionais e que, acima de tudo, evitava confusões como as que vêm permeando o assunto em tela. Enfim, um dispositivo cuja falta já pode e começa a ser sentida por toda a sociedade.

Mas voltando ao movimento "Marcha da Maconha", é interessante destacarmos que o site oficial da organização afirma, categoricamente, que "suas atividades não têm a intenção de fazer apologia à maconha ou ao seu uso, nem incentivar qualquer tipo de atividade criminosa". E, no guia de recomendações para a marcha, complementa-se: "Não use nem leve maconha ou outras drogas. Lembre que ainda é crime e a Marcha não foi organizada para cometer crimes, incentivá-los ou fazer apologia e sim para estimular reformas nas políticas públicas e leis sobre a maconha e outras drogas e exigir mais acesso ao diálogo com o Estado".

Diante disso, vale a reflexão: terão sido acertadas as decisões que suspenderam a realização do evento em várias cidades do país? As manifestações públicas deveriam ter sido censuradas? Novamente entendemos que não. Entendemos que as caminhadas poderiam e deveriam ter sido realizadas em todas as localidades originariamente previstas e que caberia às autoridades policiais a devida fiscalização e a imediata repressão a qualquer espécie de crime constatado, fosse ele a posse de droga, fosse ele a apologia. Foi-se o tempo da censura prévia, dos cavalos nas ruas e da proibição de reuniões e de manifestações públicas e pacíficas.

Somos, então, favoráveis à descriminalização da maconha? Não. Somos absolutamente contrários à descriminalização da maconha para uso pessoal. Entretanto, somos incansáveis defensores da liberdade de expressão, da liberdade de manifestação do pensamento e, em última análise, da democracia. Afastando as dúvidas que pairam sobre o tema, valemo-nos do raciocínio e das sábias palavras de Voltaire: "Não concordo com uma palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte o vosso direito de dizê-las". Portanto, apesar de não concordarmos com a descriminalização da maconha, não podemos deixar de defender o direito de que qualquer pessoa possa, nos limites da lei e da Constituição, sustentar e defender um entendimento diverso.

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