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Só a ecologia pode nos salvar. A frase é exatamente o que parece: apelativa, exagerada, messiânica, marqueteira. Mas gloriosamente justa. Apenas o saber ecológico, no sentido mais delirante da palavra, tem potencial para tirar a sociedade das ciladas em que se meteu "desde que o sonho acabou."

Por cilada leia-se obscurantismo. A dizer: o conhecimento se tornou frio, tecnocrata, especializado, esotérico. Ficou divididinho em gavetas – gavetas que não podem ser abertas todas de uma vez só. Vê-se cada vez mais a parte, cada vez mais pela fresta, e menos o todo, sepultando os séculos todos em que a humanidade trilhou sua jornada de razão e sensibilidade.

Basta pensar na guerra do Iraque ou na recente crise das bolsas americanas. As explicações são sempre um rosário de versões, sustentadas por dois sofismas contemporâneos: um diz que o mundo é complexo demais para ser explicado. Outro diz que tudo é relativo, daí a incapacidade crônica de entender o que se passa à roda da vida.

A ecologia – entendida como diversidade de saberes e não como mero sinônimo de meio ambiente – é um antídoto a esse mal-do-século. Contra tudo e contra todos, há possibilidade de resgatar o saber universal, de devolver – num gesto de cidadania – o direito à verdade, ou o máximo que se puder chegar perto dela. É o que pregam, a seu tempo e modo, o filósofo francês Edgar Morin e o sociólogo como Zygmunt Bauman, para citar dois grandes atadores de nós dos dias de hoje.

Mas que não se julgue a ecologia um problema para ser resolvido a portas fechadas nas universidades. Trata-se de um exercício rotineiro, tal como mostrou a reportagem "A cidade que desceu pelo ralo", publicada pela Gazeta do Povo no domingo. Fez-se ali um pequeno laboratório de saber universal. Cruzou-se dados do meio ambiente com os da saúde e ambos com a gestão do lixo. Negou-se a cada um deles a fatalidade de serem vistos em separado. A soma dos fatores chegou muito perto da ciência que podemos alcançar – ciência com diagnóstico e soluções.

A cidade dos rios rasos e poluídos, do um milhão de veículos, dos cinco mil carrinheiros, do exército de ratazanas é a mesma das 133 unidades de saúde, cheias de filas em que estão pacientes cujo mal é a própria cidade em que vivem. Pois é. Um jogo de dominó. Mas a relação entre o lixo, o meio ambiente e a sala do doutor costuma ser vista pela lógica dos departamentos – espaço de avanço nas políticas públicas, mas também lugar das mesas em que são dados murros em ponta de faca.

Na reportagem, o engenheiro ambiental Carlos Mello Garcias foi rápido em invocar a lógica do absurdo que rege as relações urbanas: as vítimas imediatas do meio ambiente degradado costumam ser os mais pobres – expostos aos rios e aos detritos. Mas não há classe social protegida de ratos, baratas e outros bichos. Em miúdos, Garcias deu uma sentença: é preciso aprender a viver junto, porque juntos estamos.

O "viver junto", quem diria, já foi tema até de uma Bienal Internacional de São Paulo. É recorrente em homilias nas igrejas e nas salas de aula. Onipresente nos votos de Natal e Ano-novo. Mas é uma verdade que passa pelo vão das repartições. Como o próprio nome diz, ali cabem partes da realidade. Realidades quase sempre tão pequenas.

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