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Ninguém pode se dizer surpreso: bastou a oposição voltar a falar na possibilidade de que Dilma Rousseff não termine seu mandato, e a própria presidente e alguns de seus auxiliares mais próximos ressuscitaram a ladainha do “golpismo”. Na convenção do PSDB, encerrada no último domingo, dia 5, os tucanos não falaram em impeachment – preferiram reforçar a chance de impugnação da chapa vencedora em outubro do ano passado, caso o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) conclua que houve abuso de poder econômico. Mas o jornal O Estado de S.Paulo revelou que já houve sondagens do PMDB aos tucanos sobre a possibilidade de um impeachment.

Falta a Cardozo, Gleisi e Dilma a capacidade de explicar como pode ser “golpismo” um processo realizado dentro do marco institucional brasileiro

O primeiro a reagir foi o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo – que, aliás, foi recentemente emparedado por petistas que o consideram leniente demais com a Polícia Federal no âmbito da Operação Lava Jato. Em entrevista à Folha de S.Paulo, publicada no domingo, Cardozo denunciou “o desejo de golpe sob o manto da aparente legalidade”. No dia seguinte, foi a vez da senadora e ex-ministra Gleisi Hoffmann. Na tribuna do Senado, a paranaense afirmou: “Não é possível que tenha crescido, nesse último fim de semana, tanto desejo da oposição e de alguns setores da política brasileira de querer fazer o impeachment e o afastamento da presidente Dilma. (...) Só posso chamar isso de golpe, não há outra forma de avaliar”. Por fim, Dilma completou o coro, também em entrevista à Folha, falando de “uma certa oposição um tanto golpista”, referindo-se aos que acreditam que a presidente não completará seu mandato.

Falta a Cardozo, Gleisi e Dilma a capacidade de explicar como pode ser “golpismo” um processo realizado dentro do marco institucional brasileiro. A ação que pede a cassação da chapa Dilma-Michel Temer foi protocolada pelo PSDB no TSE, a quem caberá julgar com base nas informações e provas coletadas – e é preciso lembrar que, mesmo homologadas pelo Supremo Tribunal Federal, as delações premiadas segundo as quais a campanha petista de 2014 teria sido irrigada com dinheiro ilícito não são suficientes para uma condenação, pois é preciso haver evidências que comprovem as afirmações dos delatores. E esta é apenas uma das frentes que podem complicar a permanência de Dilma no Planalto. Outra possibilidade, por enquanto até mais real que a da impugnação da candidatura, é a rejeição das contas do governo pelo Tribunal de Contas da União (TCU), tantas são as evidências das “pedaladas” feitas para maquiar as contas públicas e burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Neste caso, estaria aberto o flanco para um pedido de impeachment, que ainda assim teria de seguir todo o rito previsto pela legislação brasileira.

Pois, no fundo, é isso que está em jogo: a noção de que não há ninguém acima das leis. E não é a oposição que vem se julgando como tal. Pelo contrário: no escândalo dos atos secretos do Senado, em 2009, o então presidente Lula defendeu seu antigo desafeto e depois aliado José Sarney: “O Sarney tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum”. Ora, se o líder máximo do PT pensa isso de alguém como Sarney, o que o partido não pensará dos seus? A resposta pode estar nos gritos de “guerreiro do povo brasileiro” que os mensaleiros condenados ouviram e seguem ouvindo em cada reunião do PT.

Os petistas que gritaram “fora Collor” e “fora FHC” jamais se consideraram golpistas. Mas tentam passar um golpe – aqui, no sentido de mentira contada para obter vantagens – no eleitor incauto quando chamam a oposição de “golpista” por recorrer a meios legítimos, que fazem parte do jogo democrático e estão previstos no marco institucional justamente para proteger a sociedade de governos corruptos. Se vier a rejeição das contas pelo desacerto fiscal, se forem comprovadas irregularidades na campanha de 2014, ou se vier à tona qualquer prova que ligue a presidente Dilma a algum outro “malfeito” (para usar um termo de seu gosto), ela está sujeita à lei tanto quanto qualquer brasileiro. Golpe seria pretender algo diferente do cumprimento das regras democráticas.

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