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O imposto sobre grandes fortunas e o desprezo pela via legislativa
| Foto: Pixabay

Já se tornou hábito de determinados partidos políticos buscar o Supremo Tribunal Federal, pedindo que o Judiciário assuma o papel de legislador, quando não conseguem fazer prevalecer suas plataformas no Congresso Nacional, segundo o processo democrático. Foi o que ocorreu recentemente, quando o STF equiparou a homofobia ao racismo, um equívoco que já comentamos longamente neste espaço. Da mesma forma, a ADPF 442 quer legalizar o aborto no Brasil pela via judiciária. Em comum, essas ações têm como autores ou coautores partidos de esquerda. É o que acaba de ocorrer mais uma vez, com o Partido Socialismo e Liberdade (PSol) ajuizando a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 55, que terá relatoria de Marco Aurélio Mello e pretende forçar o Congresso a criar um imposto sobre grandes fortunas. Não é nosso objetivo, neste momento, discutir a conveniência do imposto propriamente dito, mas apenas analisar o mecanismo usado pelo PSol para que ele seja criado no Brasil, bem como a argumentação usada pelo partido político.

Ao contrário do que pode sugerir a escolha de uma ADO para conseguir criar o imposto tão desejado, se há algo que não pode ser imputado ao Congresso neste caso é omissão. Projetos de lei sobre o tema têm sido propostos com enorme frequência no Legislativo federal – um deles, o PLP 277/08, que está na Câmara, tem apensados 15 outros projetos, apresentados entre 2011 e 2019, todos com o mesmo objetivo. Vários deles passaram por comissões e estão prontos para ir aos respectivos plenários. O fato de não terem sido colocados na pauta nem de longe indica omissão, especialmente em um tema que vem sendo exaustivamente discutido pelos deputados e senadores. Mais uma vez, quando os proponentes da ação alegam “omissão”, na verdade estão se referindo à “omissão em produzir os resultados desejados” – para o PSol, basta que o Legislativo decida contrariamente aos interesses do partido, ou mesmo que opte por não colocar o tema na pauta imediatamente (o que é uma prerrogativa dos presidentes das casas), para que se busque o Judiciário alegando “omissão”, desprezando totalmente a dinâmica do processo legislativo.

A Constituição apenas afirma que um imposto sobre grandes fortunas teria de ser de competência federal, mas não diz que sua criação é obrigatória

Além disso, a própria argumentação usada pelo partido é totalmente deficiente. Os autores recorrem ao artigo 153, inciso VII, da Constituição Federal, segundo o qual “Compete à União instituir impostos sobre: (...) grandes fortunas, nos termos de lei complementar”. Faz-se, aqui, uma confusão primária entre competência e obrigação. O que a Carta Magna afirma é, simplesmente, que um imposto sobre grandes fortunas teria de ser instituído pelo governo federal, e não por um estado ou um município. Daí não se conclui que haja uma obrigação constitucional de tributar grandes fortunas.

É curioso que os autores da ação não tenham citado a Lei de Responsabilidade Fiscal, que em seu artigo 11 afirma que “constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação”, o que aparentemente tornaria obrigatória a criação dos impostos descritos nos artigos 153 (no caso da União), 155 (para estados e Distrito Federal) e 156 (no caso dos municípios) da Constituição. Em agosto deste ano, o STF considerou constitucional este artigo, a discussão tratou da vedação de transferências da União a estados e municípios, e não da obrigatoriedade de um ente federativo criar impostos. A posição majoritária entre os tributaristas, aliás, é a de que a instituição de tributos continua sendo facultativa.

O caminho escolhido, em vez de citar a LRF, foi o de mencionar os objetivos fundamentais da República, descritos no artigo 3.º da Constituição, que incluem “construir uma sociedade livre, justa e solidária” e “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. No entanto, o pedido não explica como o uso do imposto sobre grandes fortunas para atingir esses objetivos levaria necessariamente à existência de uma obrigação constitucional de sua criação, até porque há outros mecanismos tributários que podem ser usados com essa finalidade.

Estamos, assim, diante de uma aberração, em que um partido político tenta usar o Judiciário para transformar em obrigação algo que a Constituição Federal trata como facultativo, alegando para isso uma “omissão” inexistente. O PSol, mais uma vez, usa o Supremo para conseguir na marra o que seus parlamentares não são capazes de obter pela via legislativa, um comportamento incompatível com atores políticos maduros, e muito mais parecido com o de crianças mimadas que reclamam quando não têm o que querem.

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