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O presidente dos EUA, Donald Trump, e o vice-premiê da China, Liu He, se cumprimentam ao assinar o acordo comercial entre EUA e China em cerimônia na Casa Branca, 15 de janeiro de 2020
O presidente dos EUA, Donald Trump, e o vice-premiê da China, Liu He, se cumprimentam ao assinar o acordo comercial entre EUA e China em cerimônia na Casa Branca, em 15 de janeiro de 2020.| Foto: Saul Loeb/AFP

Em 2018 e 2019, matérias e editoriais sobre a economia chinesa foram publicados por este jornal, alguns focando especificamente as relações entre China e Estados Unidos. Após a vitória de Donald Trump na eleição presidencial norte-americana, em 2016, o vencedor nunca escondeu que as relações com a China durante seu governo iriam passar por momentos difíceis e conflituosos no tocante ao comércio bilateral, à tributação de exportações e importações, ao direito de propriedade intelectual e à política cambial. A cada fala de Trump, o governo chinês acenava com medidas similares e se dizia pronto para o embate no âmbito das relações com seu maior parceiro, os próprios Estados Unidos.

Em editorial de maio do ano passado, esta Gazeta do Povo escreveu que “esse assunto não vai terminar, muitos capítulos serão vistos nos próximos meses, pois é uma novela econômica sem final. Na essência do problema está o comércio bilateral entre Estados Unidos e China e os tributos sobre produtos comercializados entre os dois países, mas não é só isso. Trump ganhou as eleições em parte com o discurso de que era preciso devolver a América aos americanos e recuperar empregos nos Estados Unidos, e argumentou que era preciso estancar o processo de fechamento de fábricas pelas dificuldades que elas estavam tendo de competir com produtos importados”. Em abril de 2018, o governo norte-americano já havia anunciado que iria impor tarifas de 25% sobre 1,3 mil produtos importados da China e, para não dar a impressão de que seu problema era somente com os chineses, Trump anunciou que também seriam taxadas importações feitas do Brasil, e citou as tarifas de 25% sobre aço e 10% sobre o alumínio.

Em se tratando de acordos entre China e Estados Unidos, nunca é fácil fazer previsões que vão além do curto prazo

A onda protecionista norte-americana prosseguiu e, no início de junho de 2019, Trump anunciou aumento das tarifas sobre produtos chineses importados pelos Estados Unidos, elevando-as de 10% para 25% sobre mais de 5 mil categorias de produtos. O governo chinês reagiu com indignação e acenou com contramedidas na mesma linha. Na complexa geopolítica mundial, as relações econômicas, as medidas tributárias, as normas protecionistas e os embates comerciais não estão dissociados da estratégia de política internacional e do protagonismo que o país planeja exercer no jogo de poder global e no equilíbrio de forças entre as nações. Embora os atos do governo Trump possam ser direcionados para cumprir seu discurso de preservação da indústria local e da recuperação de empregos dentro do país – o que agrada grande parte de seus eleitores –, é indisfarçável a preocupação do governo norte-americano diante das informações do Fundo Monetário Internacional (FMI) em relação à trajetória do Produto Interno Bruto (PIB) e da renda por habitante na China, que cresce a taxas superiores às dos Estados Unidos.

A China é um gigante cujo PIB cresce mais que os Estados Unidos em números absolutos, fazendo que o equilíbrio de forças, no longo prazo, penda mais fortemente a favor dos asiáticos. Com população atual equivalente a quatro vezes a população dos Estados Unidos e considerando as previsões de que o PIB per capita chinês pode chegar a 50% do PIB norte-americano até 2050, a China poderá atingir um PIB igual ao dobro do PIB dos Estados Unidos, e isso muda as relações de forças no cenário internacional. É nesse contexto que acaba de sair um novo acordo entre os dois países, no qual constam medidas comerciais, tributárias, de proteção da propriedade intelectual e administração cambial. Em síntese, os Estados Unidos prometem aliviar a tributação sobre a importação de produtos chineses, enquanto a China promete comprar mais dos norte-americanos, além de fortalecer a proteção a patentes, marcas e direitos autorais; e, principalmente, o governo chinês promete não desvalorizar a moeda nacional para obter vantagem competitiva no comércio exterior.

Logo após o anúncio do acordo, começaram as indagações sobre os seus possíveis efeitos sobre o Brasil. Em geral tem-se por certo que os acordos entre China e Estados Unidos criam, de uma forma ou de outra, alguns prejuízos ao Brasil, especialmente em relação às exportações brasileiras para o mercado chinês. Um exemplo é o caso da soja, produto que tem no Brasil e nos Estados Unidos os dois maiores produtores mundiais, sendo ambos fornecedores para o mercado externo. Como a China é o maior comprador do produto brasileiro, eventuais medidas facilitadoras da importação do produto norte-americano pela China podem pressionar para baixo os preços da soja e seus derivados, com perdas para o Brasil.

Entretanto, em se tratando de acordos entre China e Estados Unidos, nunca é fácil fazer previsões que vão além do curto prazo, pois a história de conflitos comerciais entre os dois países é uma espécie de gangorra cujo sobe-e-desce nunca cessa, sobretudo em função dos demais aspectos geopolíticos de protagonismo global que rondam as tensas negociações entre os dois gigantes. Se prejuízos houver para os produtores brasileiros, estes serão de médio e longo prazo, especialmente com uma nova colheita se avizinhando, e vão depender das oscilações do preço do dólar em reais, da oscilação da moeda nacional da China em relação ao dólar e dos desdobramentos sobre o comércio exterior nos próximos meses.

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