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Entrevista de Sergio Moro à Gazeta do Povo
O ministro da Justiça, Sergio Moro.| Foto: Rodrigo Sierpinski/Gazeta do Povo

Apesar de o ministro da Justiça, Sergio Moro, ter manifestado a intenção de retomar, no Senado, alguns pontos do pacote anticrime que haviam sido perdidos durante a tramitação na Câmara, os senadores preferiram o certo ao duvidoso e escolheram garantir a aprovação, com seus pontos positivos e negativos, do texto enviado pelos deputados e que tinha passado pela CCJ do Senado na terça-feira. No dia seguinte, a mesma comissão também aprovou o pedido de urgência, permitindo que o texto fosse a plenário, onde foi aprovado. Repetiu-se, assim, a estratégia usada durante a tramitação da reforma da Previdência: manter o texto no Senado para não correr o risco de ter de devolver o projeto à Câmara e vê-lo ainda mais desfigurado. Com isso, o pacote anticrime vai para a sanção do presidente Jair Bolsonaro.

O relator do texto no Senado, Marcos do Val (Podemos-ES), admitiu que a opção por preservar o projeto da forma como veio da Câmara significou deixar de lado pontos que os senadores tenderiam a recolocar no pacote. “Acreditamos sinceramente que o caminho apresentado pelo substitutivo, embora tenha suprimido inovações que nos pareciam bastante meritórias, é o mais adequado para os tempos que vivemos”, afirmou o senador. Ficaram de fora, por exemplo, o plea bargain, a adoção da videoconferência como regra, o endurecimento do regime de prisão para reincidentes, novas exigências para embargos infringentes ou de nulidade. Outra proposta importante de Moro, a alteração no Código de Processo Penal para permitir a prisão após condenação em segunda instância, também foi retirada no grupo de trabalho da Câmara, mas pelo menos neste caso os senadores estão agindo: a CCJ aprovou em caráter terminativo outro projeto de lei com o mesmo efeito – no entanto, há o risco de a matéria ter de ir ao plenário do Senado, e neste caso esbarrará no presidente da casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que prometeu deixar o assunto paralisado até abril de 2020, pelo menos.

O Senado quer assumir o protagonismo na hora de trazer de volta os bons itens do pacote anticrime que ficaram pelo caminho

Isso não significa, no entanto, que os senadores estejam abrindo mão definitivamente daquilo que consideram válido nas propostas de Moro, mas que ficou de fora do pacote anticrime. Assim como está ocorrendo no caso do Código de Processo Penal, e assim como se fez na própria reforma da Previdência, o Senado quer assumir o protagonismo na hora de trazer de volta os bons itens do pacote que ficaram pelo caminho. Um grupo de senadores mais alinhados com o combate à corrupção já prometeu apresentar um projeto com este objetivo em fevereiro do ano que vem. E, como a versão atual do pacote anticrime também tem alguns trechos bastante problemáticos e que nem faziam parte do texto original, a exemplo de alguns dispositivos que restringem indevidamente o poder dos juízes, um “pacote anticrime paralelo” poderia servir também para retirar estes pontos, caso eles já não sejam vetados por Bolsonaro.

O combate à criminalidade – seja a violência urbana, seja o crime organizado, sejam os esquemas de corrupção – envolve uma série de esforços. Há o policiamento ostensivo, preventivo, que funciona como um desestímulo ao criminoso, bem como o trabalho de investigação para solucionar os crimes já cometidos. Também ali o Ministério da Justiça, em colaboração com os estados, vem conseguindo bons resultados, como a redução no número de homicídios. O pacote originalmente proposto por Moro prioriza a segunda etapa, que começa quando um criminoso é identificado e tem de responder à Justiça.

O país construiu, aos poucos, um arcabouço jurídico-legal com recursos infindáveis que freiam os processos e geram, na prática, um “direito à impunidade”. Mesmo depois da condenação, progressões de pena, “saidinhas”, indultos e toda sorte de dispositivos legais transformam o Código Penal em peça de ficção, pois as penas raramente são cumpridas até o fim, e é difícil até mesmo recuperar o patrimônio oriundo da atividade criminosa. A experiência de Moro na magistratura lhe permitiu identificar acertadamente onde estão os pontos problemáticos; no Poder Executivo, o ex-juiz tomou para si a missão de propor os meios de sanar as deficiências da lei atual, que impedem que a justiça seja feita. A aprovação do pacote anticrime torna realidade uma parte deste desejo, mas os pedaços do texto deixados pelo caminho mostram que ainda há muito a melhorar.

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