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Servidores federais protestaram em Brasília nesta terça-feira (18).
Servidores federais protestaram em Brasília nesta terça-feira (18).| Foto: Divulgação/Fonacate

Parte do funcionalismo público protestou em Brasília na terça-feira, dia 18, e ameaça novas paralisações curtas nos próximos dias – a próxima delas para esta quinta-feira – e até mesmo uma greve geral caso suas reivindicações não sejam atendidas. A principal exigência é uma recomposição salarial de 26% para compensar perdas inflacionárias, mas há uma série de outras demandas, como reestruturação de carreiras e alguns pedidos mais específicos para certas categorias de servidores, como a regulamentação do “bônus de eficiência” dos funcionários do Banco Central. O movimento, no entanto, traz à luz novamente uma discussão antiga sobre o grau de descolamento que certas categorias demonstram em relação à realidade brasileira quando resolvem fazer determinados tipos de reivindicações, especialmente quanto a salário e outros benefícios.

Pleitear reajustes salariais e usar, para isso, as ferramentas permitidas pela lei é direito de qualquer servidor. E ninguém há de negar que não reposição de perdas inflacionárias efetivamente reduz o poder de compra do trabalhador, seja do setor público, seja da iniciativa privada. Mas salta aos olhos que as categorias mais empenhadas no movimento atual estejam entre aquelas que já são regiamente remuneradas.

Categorias que têm todos os motivos para se considerar privilegiadas buscam melhorar ainda mais sua situação econômica à custa dos demais brasileiros, que têm de sustentar um Estado que acumula prejuízos ano após ano

Levantamento do jornal O Estado de S.Paulo mostra que auditores da Receita Federal, auditores do Trabalho, peritos criminais federais, delegados da Polícia Federal, advogados da União e analistas do BC encabeçam a lista de funções de maior salário do funcionalismo do Poder Executivo; os salários mensais médios desses servidores vão de R$ 26,2 mil a R$ 29,3 mil, resultando em uma remuneração anual entre R$ 341,1 mil e R$ 380,4 mil. Em resumo, trata-se de pessoas que, mesmo sem a recomposição salarial pretendida, estão no topo do topo da pirâmide socioeconômica brasileira. Além disso, considerando um período de tempo mais longo, dados oficiais mostram que essas carreiras acumulam aumento real muito superior à inflação.

E, como ainda estamos em tempos pandêmicos, nunca é demais recordar que, além de pertencer a uma elite seletíssima dentro do funcionalismo – que, como um todo, já costuma remunerar melhor que carreiras similares na iniciativa privada, quando as há –, esses servidores passaram incólumes pelos piores efeitos econômicos da Covid: nenhum deles perdeu seu emprego, nem mesmo teve de passar alguns meses recebendo uma fração do salário, como ocorreu com milhões de trabalhadores da iniciativa privada que assinaram acordos de redução de salário e jornada.

Muito antes da pandemia, a Gazeta do Povo, ao tratar de questões como o auxílio-moradia ou o salário inicial da magistratura, alertava para o risco de uma verdadeira insensibilidade social entre os ocupantes de cargos muito bem remunerados no serviço público, por mais méritos que tenham. Pois o movimento atual é demonstração desse fenômeno, em que categorias que têm todos os motivos para se considerar privilegiadas, considerando todo o contexto do mercado de trabalho brasileiro, buscam melhorar ainda mais sua situação econômica à custa dos demais brasileiros, que têm de sustentar um Estado que acumula prejuízos ano após ano. E nem é preciso lembrar que, na “vida real” das empresas privadas, sucessivos resultados negativos exigem medidas saneadoras para se evitar consequências mais drásticas, medidas essas às quais um funcionário concursado jamais estará sujeito.

O movimento comandado pela elite do funcionalismo, no entanto, por mais insensível que seja, poderia ter sido evitado caso o presidente Jair Bolsonaro não tivesse resolvido fazer mais um afago ao grupo de servidores que lhe é mais próximo, o dos membros das forças de segurança, na forma de um reajuste salarial. As demais categorias questionaram uma quebra na isonomia e demonstraram sua insatisfação, levando Bolsonaro a rever a medida: “Tem uma reserva de R$ 2 bilhões, que você pode usar, poderia ser usado para PF, PRF, e também o pessoal do sistema prisional, mas não está nada garantido no tocante a isso aí”, afirmou; em seguida, os representantes das categorias que seriam contempladas com o reajuste passaram a falar em “traição”. Bolsonaro sancionou o Orçamento de 2022 com uma reserva de R$ 1,7 bilhão que pode ser usada para aumentos salariais, mas o governo pretende manter o tema em “banho-maria”. O fato é que não há como, neste momento, impor ao Estado um aumento de gastos cujo efeito será permanente, reduzindo ainda mais a margem para investimentos e outras despesas.

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