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Dias Toffoli e Gilmar Mendes estão entre os ministros que votaram pelo fim da prisão após condenação em segunda instância.
Dias Toffoli e Gilmar Mendes estão entre os ministros que votaram pelo fim da prisão após condenação em segunda instância.| Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

Após o voto de Rosa Weber contra a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, em 24 de outubro, o presidente da corte, Dias Toffoli, até buscou amenizar a impressão de que o resultado em favor da impunidade já eram favas contadas e quis fazer suspense sobre seu voto. Mas o desfecho não surpreendeu ninguém: nesta quinta-feira, Toffoli desempatou o julgamento e, por seis votos a cinco, volta a valer o entendimento que vigorou no país apenas entre 2009 e 2016: para se iniciar o cumprimento da pena, será preciso esgotar todos os recursos em tribunais superiores. Com isso, o ex-presidente Lula, condenado em três instâncias por corrupção e lavagem de dinheiro no processo do tríplex do Guarujá, já ganhou as ruas nesta sexta-feira; outros presos da Lava Jato, como o ex-ministro José Dirceu, também já solicitaram a soltura.

Em seu voto, Toffoli procurou tirar responsabilidade do STF, alegando que o artigo 283 do Código de Processo Penal, cuja constitucionalidade estava em jogo no julgamento ora encerrado, só tem a redação atual – segundo a qual “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva” – porque o Congresso a aprovou, em 2011, dois anos depois de o Supremo decidir que a pena só poderia ser cumprida após o trânsito em julgado. Mas, ao lavar as mãos desta forma, estaria o presidente da corte devolvendo a bola ao Poder Legislativo, deixando subentendido que, se o Congresso assim o desejar, pode restabelecer o início do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância?

Alterar o artigo 5.º da Constituição sem mudar o Código de Processo Penal, ou vice-versa, continuará dando margem à judicialização do tema

Parece que sim, e já existe uma série de projetos de lei e propostas de emenda à Constituição sobre o tema, apresentados ou em trâmite tanto no Senado quanto na Câmara – alguns foram protocolados recentemente, já considerando o possível resultado do julgamento no STF. As PECs buscam alterar o inciso LVII do artigo 5.º da Constituição, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, enquanto os projetos de lei querem mudar o artigo 283 do CPP. Com o fim do julgamento no Supremo, bancadas partidárias estão se movimentando para que as PECs sejam votadas o quanto antes, mas as duas frentes precisam caminhar em conjunto – alterar o artigo 5.º da Carta Magna sem mudar o Código de Processo Penal, ou vice-versa, continuará dando margem à judicialização do tema. Aliás, quando enviou o pacote anticrime ao Congresso, o ministro da Justiça, Sergio Moro, havia incluído no texto a mudança no CPP para harmonizá-lo com o entendimento do Supremo em vigor até o julgamento desta semana, mas o grupo de trabalho formado para analisar o pacote retirou este trecho. Os projetos de lei agora apresentados devem suprir essa omissão.

Mas, ainda que o Congresso aprove mudanças tanto no artigo 5.º da Constituição quanto no artigo 283 do CPP, o tema tem tudo para voltar ao Supremo. Isso porque o relator das ADCs 43, 44 e 54, ministro Marco Aurélio Mello, afirmou que se trata de cláusula pétrea que não pode ser abolida nem mesmo pelo poder constituinte derivado, exercido pelo Congresso quando emenda a Constituição. Dias Toffoli, no entanto, afirmou em entrevista após a sessão de quinta do STF que o Legislativo pode, sim, dar nova redação ao inciso LVII. Esta é a posição mais razoável, porque permitir o início do cumprimento da pena após condenação por colegiado não significa, de forma alguma, a anulação da presunção de inocência. Os réus continuariam tendo todo o direito aos recursos previstos na lei, mas o fato é que a análise das provas e da culpabilidade do réu termina na segunda instância – havendo condenação, a culpa está determinada, e não cabe a tribunais superiores declarar a inocência desses réus, mas apenas anular sentenças por eventuais irregularidades processuais.

Começar a cumprir a pena de prisão após a condenação por um colegiado de segunda instância, que revisa as sentenças da primeira instância, é a prática corrente em diversos países do mundo desenvolvido, e não passa pela cabeça de nenhum jurista sério afirmar que nestas nações não vigora o devido processo legal ou a presunção de inocência. As PECs e projetos de lei que estão no Congresso podem consagrar de vez este procedimento, evitando a insegurança jurídica que ocorre quando a principal corte do país reverte seu entendimento sobre tema tão importante três vezes em um período de 11 anos.

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